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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Sonia Gomes

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 27.04.2024
1948 Brasil / Minas Gerais / Caetanópolis
Reprodução fotográfica Marcus Leoni/Itaú Cultural

Sonia Gomes, 2022

Sonia Gomes (Caetanópolis, Minas Gerais, 1948). Artista visual. Suas obras são impregnadas de visualidade pictórica, ao mesmo tempo que se inscrevem no espaço tridimensional. Transitam entre texturas sutis de fios de tecido e estruturas robustas. Os trabalhos evocam a memória e a ação do tempo sobre as coisas e revelam outros paradigmas estético...

Texto

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Sonia Gomes (Caetanópolis, Minas Gerais, 1948). Artista visual. Suas obras são impregnadas de visualidade pictórica, ao mesmo tempo que se inscrevem no espaço tridimensional. Transitam entre texturas sutis de fios de tecido e estruturas robustas. Os trabalhos evocam a memória e a ação do tempo sobre as coisas e revelam outros paradigmas estéticos, com fontes no trabalho manual, na cultura afro-brasileira e nas práticas visuais populares.

Nascida em uma cidade que abriga importante produção têxtil, aprende cedo os princípios da costura com a avó materna. Após a morte da mãe, vive com parentes paternos e, com eles, entra em contato com a produção de bordados e rendas, que fazem parte de suas brincadeiras. Inicia as investigações visuais personalizando roupas, bijuterias e bolsas que destinava à comercialização. Com transformações cada vez maiores, essas peças ultrapassam os limites da funcionalidade. Ao viajar para os Estados Unidos, percebe a conexão desses trabalhos com a arte contemporânea e lá permanece por alguns meses para aprofundar seus estudos.

Após formar-se em Direito, dedicando-se paralelamente à produção artística, cursa disciplinas livres de arte na Escola Guignard, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Em 1994, expõe estruturas abstratas, livros-objeto, colagens, reunidos em torno de questões pictóricas. Dez anos depois, realiza exposição individual de maior projeção, Objetos, em Belo Horizonte. A partir daí começa a receber doações de roupas e tecidos sem uso, que não haviam sido descartados por questões afetivas. Esse fato torna a ressignificação do que está perdido aspecto relevante em seu trabalho.

Distantes dos gêneros escultóricos tradicionais, suas primeiras obras não se apoiam num sistema representativo, nem na exploração de relações puramente formais. Caracterizam-se pelos atos que as constróem – amarrações, torções etc. – e pelas funções que evocam formas como abrigo de outras formas: ninhos, casulos, mantos, trouxas. Em Memória (2004), uma série de construções e emendas de texturas criam padrões visuais variados. A obra se apresenta como superfície que pende no espaço, tal como um manto claro parcialmente coberto pelo grafismo das linhas. O caráter solene lembra mantos tribais, ou ainda a obra de Arthur Bispo do Rosário (1911-1989). Mas diferente dela, o tecido transformado por Gomes guarda apenas uma memória de sua antiga função de vestimenta, libertada para uma existência plástica mais livre. Se Bispo faz da costura metáfora do caminho de ascensão à vida espiritual, Gomes recupera aquilo que já se foi da vida, numa ressignificação dos vestígios. A sobreposição de costuras e linhas presas a arremates aludem à ação de coletar, reter, consertar o equilíbrio rompido da peça para que ela habite um novo tempo e lugar. Evoca-se a ausência daqueles que passaram por essas roupas e mostra-se a possibilidade de outra existência, a despeito de terem perdido a animação dos corpos que originalmente as habitavam.

Diferente do uso que os artistas neoconcretos fizeram do tecido, o interesse de Gomes não parece residir na forma e na cor em si, mas no processo de construção, no uso, desgaste e na sobrevida dessas “peles”. Nas palavras do crítico Alexandre Bispo: “a artista explora o tempo buscando a espessura histórica que fica nas coisas, que as afeta enquanto materiais que mantiveram relações emocionais com os corpos”1.

O reconhecimento no circuito brasileiro ocorre depois de a artista participar de mostras no exterior. Em 2013, expõe na mostra Art Basel, na Suíça, e sua obra Memória é publicada no suplemento cultural do Financial Times2. É convidada pelo curador nigeriano Okwui Enwezor para ser a única representante do Brasil na mostra especial da Bienal de Veneza de 2015. O interesse internacional pela obra de Gomes parece ver, na amplitude das questões que aborda, em linguagem abstrata, diálogos com uma emergente produção contemporânea que se afasta do pensamento hegemônico sobre arte, chamando a atenção para outras representatividades.

O caminho percorrido por Sonia Gomes entre a artesania e a arte torna-se claro na obra Mãos de Ouro (2008). Trata-se de um livro-objeto que faz referência a um manual homônimo dirigido às mulheres, publicado semanalmente nos anos 1960/70, composto por lições de bordado, pinturas, crochê etc. Sobre folhas de papel encadernadas, Gomes acumula desenhos, costuras, recortes de revista, amarrações, tecidos, rendas e artigos de armarinhos reunidos em um par de luvas transparentes. O desvio daquilo que é prescrito pelo manual leva-a a formas mais livres de investigação poética.

Partindo da não aceitação da norma, seu trabalho assume o risco de trilhar outros caminhos e assim ocupar o espaço público. A exploração tridimensional intensifica-se em sua produção com o aproveitamento da maleabilidade do tecido para a construção de estruturas cada vez mais complexas, que adquirem estabilidade por meio da junção de arames encobertos.

Na obra de Gomes, a materialidade da linha oferece a um só tempo cor, textura e um potencial construtivo orgânico, que nasce ponto a ponto, nó a nó. Transforma o frágil bordado em escultura pelo gesto de torcer, abrir e fechar-se rumo ao tridimensional. Formas maleáveis inspiradas no trabalho tradicionalmente feminino e popular de ornamentação da vida doméstica tornam-se esculturas que revelam o avesso das coisas, numa organicidade visceral.

Notas

1. BISPO, Alexandre Araújo. Mãos de ouro: a tecelagem da memória em Sônia Gomes. In: O Menelick 2º Ato. São Paulo, ano V, edição zero, XVI, jun./ ago. 2015. 

2. ADAM, Georgina. The Art Market: sprint to the finish. Financial Times. United Kingdom, Fri 14 June 2013. Edição sobre o mercado de arte.

Obras 10

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Reprodução fotográfica Mendes Wood DM

Correnteza

Costuras, encadernações, tecidos diversos e rendas de madeira
Reprodução fotográfica Mendes Wood DM

Gaiola

Gaiola, tecidos e linhas
Reprodução fotográfica Mendes Wood DM

Magia

Costuras, amarrações e tecidos diversos
Reprodução fotográfica Mendes Wood DM

Maria dos Anjos

Costuras, encadernações, tecidos diversos e rendas
Reprodução fotográfica Mendes Wood DM

Memória

Costura, amarrações, tecidos, rendas e fragmentos diversos

Exposições 86

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Mídias (1)

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Sonia Gomes – Série Cada voz (2022)
A trajetória de Sonia Gomes é de constante questionamento e descoberta acerca de sua arte e sobre ser mulher negra no mundo. Sua produção envolve diversos elementos e criam obras marcadas pelo abstracionismo, o suficiente para ser poético e não precisar dizer mais nada, pois "as crianças entendem". A artista, que decidiu abandonar o Direito e viver do que a fazia feliz, foi a primeira negra viva a expor no Masp.

A série “Cada voz” é um projeto da “Enciclopédia Itaú Cultural” com registros de depoimentos de artistas de diferentes áreas de expressão, como literatura, música, teatro e artes visuais. Conduzidos pelo fotógrafo Marcus Leoni, os vídeos capturam o pensamento dos artistas sobre seu processo de criação e sua visão sobre a própria trajetória. Os registros aproximam o público do artista, que permite a entrada no camarim, no ateliê ou na sala de escrita.

ITAÚ CULTURAL

Presidente: Alfredo Setubal
Diretor: Eduardo Saron
Gerente do Núcleo de Enciclopédia: Tânia Rodrigues
Coordenadora do Núcleo de Enciclopédia: Glaucy Tudda
Produção de conteúdo: Pedro Guimarães
Núcleo de Audiovisual e Literatura
Gerente: Claudiney Ferreira
Coordenação: Kety Nassar
Produção audiovisual: Amanda Lopes
Edição de conteúdo acessível: Richner Allan
Direção, edição e fotografia: Marcus Leoni
Montagem: Renata Willig
Interpretação em Libras: FFomin Acessibilidade e Libras (terceirizada)

O Itaú Cultural integra a Fundação Itaú para Educação e Cultura. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.

Fontes de pesquisa 11

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  • A MÃO afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. organização Emanoel Araújo; apresentação Fernando Henrique Cardoso; texto José Roberto Teixeira Leite et al. 2. ed. Museu Afrobrasil; São Paulo, SP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. v. 1 . 448 p., il.
  • A NOVA mão afro-brasileira. Curadoria Emanoel Araújo; Fotografia Henrique Luz. São Paulo: Museu Afrobrasil, 2014. 224 p.
  • ADAM, Georgina. The Art Market: sprint to the finish. Financial Times. United Kingdom, Fri 14 June 2013.
  • ATELIÊ do Artista: Sonia Gomes. Revista Bravo, Panorama, março, 2018.
  • BISPO, Alexandre Araújo. Mãos de Ouro: A tecelagem da memória em Sônia Gomes. O Menelick 2º Ato. 2 ago. 2017. Disponível em: http://omenelick2ato.com/artes-plasticas/sonia-gomes-tecelagem-da-memoria/. Acesso em: 01 set. 2017.
  • GOMES, Sonia. Sonia Gomes. Textos de Ricardo Sardemberg, Paulo Nazareth e Solange Farkas. Rio de Janeiro: Cobogó, 2017.
  • INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Exposição - Watú não está morto! São Paulo, 21 jun. 2022. Disponível em: https://www.ieb.usp.br/watu/. Acesso em: 22 jun. 2022.
  • INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Watú não está morto! [convite virtual]. Mensagem recebida por enciclopedia@itaucultural.org.br em 21 jun. 2022.
  • MOLINA, Camila. A artista mineira Sonia Gomes participará da 56.ª Bienal de Veneza. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 2015.
  • RUBIN, Nani. Uma tecelã de histórias rumo a Veneza. O Globo. Rio de Janeiro, 4 abr. 2015.
  • SONIA Gomes. Prêmio PIPA, [Rio de Janeiro], 2021. Disponível em: http://www.premiopipa.com/pag/sonia-gomes/. Acesso em: 18 abr. 2017.

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