Marques Rebelo

Retrato do escritor Marques Rebelo
Marques Rebelo
Arquivo da família
Texto
Biografia
Eddy Dias da Cruz (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1907 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1973). Romancista, contista, cronista e autor de histórias infantis. Filho do professor de química Manuel Dias da Cruz e de Rosa Reis Dias da Cruz, vive a infância no Rio de Janeiro, exceto entre os anos de 1911 e 1918, quando a família se transfere para Barbacena, Minas Gerais. Aprende a ler em casa, aos quatro anos, e completa os estudos de humanidades no Colégio Pedro II, em 1920. Dois anos depois, ingressa na Faculdade de Medicina, abandonando o curso ainda no início para trabalhar no comércio, atividade que o leva a viajar pelos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Entre 1926 e 1927, presta serviço militar, lotado no Forte de Copacabana. Nessa época, publica poemas na Revista de Antropofagia e estreia no conto com Rita e O Homem que se Apaixonou por Laura la Plante, na revista Para Todos. Ainda em 1927, inicia a redação das narrativas de Oscarina, seu primeiro livro, publicado em 1931 e já assinado com o nome Marques Rebelo, que toma de um poeta quinhentista português. Colabora ainda na modernista revista Verde, de Cataguases, Minas Gerais, e para Leite Criôlo, suplemento literário de O Estado de Minas. Em 1928 funda a revista quinzenal O Atlântico. Passa a se dedicar à tradução ao mesmo tempo que redige Três Caminhos (1933). Estreia na literatura infantil, em 1937, quando também se forma em direito. Dois anos depois, lança A Estrela Sobe, romance com o qual se consolida junto à crítica e ao público. Após Stela Me Abriu a Porta (1942), dedica-se à literatura infantil e ao jornalismo, passando 17 anos sem publicar ficção adulta. Entre os anos 1940 e 1950, promove as artes plásticas brasileiras, fazendo palestras sobre artistas nacionais pela América do Sul e fundando o Museu de Arte Moderna de Florianópolis, em 1948, o Museu de Belas Artes de Cataguases e o Museu de Arte Moderna de Resende, Rio de Janeiro, em 1950. Outras viagens lhe rendem as crônicas de Cenas da Vida Brasileira (1944), Cortina de Ferro (1956), sobre viagens pelo Leste Europeu em 1954, e Correio Europeu - estas, sobre viagens realizadas entre 1951 e 1952, inicialmente publicadas em coluna no jornal Última Hora e reunidas em livro em 1959. É eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1964. Morre sem concluir quatro dos setes volumes planejados para O Espelho Partido: A Paz Não É Branca, No Meio do Caminho, A Tempestade e Por um Olhar de Ternura.
Análise
Com um universo ficcional essencialmente centrado na cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950, Marques Rebelo dedica-se, em contos, novelas e romances, sobretudo, ao retrato da classe média baixa (funcionários públicos, donas de casa, pequenos comerciantes etc.), enredados em vidas mesquinhas, impossibilitados de escapar à banalidade do cotidiano.
O conto-título do livro de estreia, Oscarina (1931), apresenta o protagonista em situação comum ao conjunto da produção do autor: na busca de acúmulo de dinheiro, visando à ascensão social, Jorge perde suas referências, encontrando um nível inferior de vida. Do subúrbio carioca, passa ao morro, onde, embora pareça mais alegre, divide com a mulher uma rotina de violência doméstica e alcoolismo.
Já a narrativa Na Rua Dona Emerenciana, também de Oscarina, é exemplar quanto à ambientação construída por Rebelo: porque se trata de um dia a dia repetitivo, delimitado por trabalho e casa, as personagens são construídas com base na vida privada, em relações familiares e amorosas e com a vizinhança próxima. Esse conto se estrutura em torno de um argumento que beira a fabulação, algo também caro ao autor. Ao clichê com que um vizinho procura consolá-la pela morte do marido - "Ele se foi, é o nosso destino [...]. Mas não a deixou sozinha, pense bem. E os filhinhos?" - Dona Veva reage com desespero ainda mais intenso do que a tristeza que até então manifestava. "[...] quando pensou nos seus cinco filhos, aí é que ela viu mesmo que estava sozinha e de mãos para o céu começou a gritar", afirma o narrador.
A reação de familiares à morte está também no centro de Vejo a Lua no Céu, de Três Caminhos (1933), segundo livro de Rebelo. A narrativa apresenta planos temporais diversos e intercalados, mostrando como as perdas afetivas e a morte prematura dos mais velhos determinam a transferência da família do ambiente campestre para o urbano, num processo que é também de perdas materiais.
Os planos e os tempos verbais, o foco narrativo e as relações estabelecidas entre narrador e personagem são manipulados em toda a obra de Marques Rebelo de forma consciente e produtiva. Partindo do exterior e convocando descrições do ambiente para chegar ao retrato de pensamentos e estados de alma, o autor mescla e funde, muitas vezes em um mesmo período, presente e pretérito, discurso direto e indireto, em um jogo de adesão às personagens e distanciamento crítico quanto às suas atitudes.
As técnicas narrativas chegam à maturidade em A Estrela Sobe (1939), segundo romance. O enredo acompanha Leniza, jovem habitante do subúrbio carioca, em seus esforços pela ascensão social. Embora alcance projeção como cantora de rádio, vê na prostituição o caminho possível para a melhoria de sua condição econômica: trata-se, mais uma vez, de situações sem saída, dado que as supostas conquistas sociais representam sacrifícios pessoais e afetivos para a protagonista.
Um deles diz respeito a Oliveira, a quem Leniza ama, mas com quem decide não se relacionar, por crer que o casamento possa prejudicar seus ambiciosos planos. Uma cena em que se encontram é exemplar quanto à maneira como Rebelo dispõe da onisciência do narrador, alternando os tipos de discurso de modo a destacar as características mais profundas das personagens, inclusive as que não se querem revelar: "Mudou de tom: quase morri, sabe? - Sei. - Sofri muito. Por sua causa. Oliveira baixou os olhos, perdeu-os no tapete barato, um perfume de água-de-colônia que subia dos lençóis muito alvos... Ela: não teve remorsos? - Não. Não tivera. - Não teve? - Não. - Mas eu podia ter morrido!... - A culpa foi sua".
O trânsito de Leniza por duas esferas sociais em A Estrela Sobe anuncia o influxo que a ficção do autor sofre na década de 1950. Até então centrado nos trabalhadores pobres da zona norte carioca, Rebelo passa a se dedicar à classe média da zona sul com o início da publicação do ciclo de romances O Espelho Partido, que seria composto de sete volumes. Nos três livros concluídos, tem voz Eduardo Rebelo, um escritor a redigir seu diário íntimo. As cenas do presente elaboram um panorama da Era Vargas (1930-1945), passando pela industrialização recente e as conquistas trabalhistas, avançando pela crise política brasileira e pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) sentidos no país. Já os flashbacks retornam ao início do século XX, a partir da narração de episódios que marcam a vida dos pais do protagonista.
De acordo com Mario Frungillo, até O Espelho Partido as personagens "eram em geral apolíticas [...] indivíduos lutando solitariamente contra as adversidades do meio social mesquinho a que pertenciam". O protagonista Eduardo, dotado de consciência política e participando do debate intelectual da época, está envolvido na luta mundial contra o nazismo e na nacional contra o fim da ditadura Vargas.
Ao mesmo tempo que produz sua numerosa ficção o autor se dedica ainda a narrativas de viagem pela Europa e pelo Brasil e à literatura infantil. Nesse âmbito, destacam-se a biografia do cientista francês Louis Pasteur (1822 - 1895) e a da enfermeira britânica Florence Nightingale (1820 - 1910). Já em suas crônicas permanece como centro de atenção a vida urbana carioca, no retrato de seus aspectos típicos e do progresso que os ameaça. O romance urbano de Marques Rebelo é frequentemente comparado, pelo setor social em que se centra, à obra de Manuel Antônio de Almeida (1831 - 1861). Deste autor, Rebelo escreve a biografia - Vida e Obra de Manuel Antônio de Almeida (1943) -, além de ter colhido textos na imprensa para o volume Bibliografia de Manuel Antônio de Almeida (1951).
Obras 2
Exposições 4
Fontes de pesquisa 7
- ARAUJO, Helio Alves de. Marques Rebêlo, poeta morto. Florianopolis: Ensaio, 1956 (Cadernos do Sul).
- FRUNGILLO, Mário. O Espelho Partido: memória e ficção na obra de Marques Rebelo. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
- GOMES, Renato Cordeiro. Marques Rebelo, cronista de uma cidade. In: REBELO, Marques. Marques Rebelo. São Paulo: Global, 2004 (Melhores crônicas), p. 7-17.
- PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Os humildes e sua epopeia. In: REBELO, Marques. Seleta de Marques Rebelo. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1974, p. 198-203.
- REBELO, Marques. Memória de Marques Rebelo: espelho carioca. Rio de Janeiro: Rio Arte, 1984.
- TRIGO, Luciano. Marques Rebelo: mosaico de um escritor. Rio de Janeiro: Relume-Damará: Prefeitura, 1996.
- VIDAL, Ariovaldo José. A ficção inacabada: uma leitura de Marques Rebelo. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
Como citar
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MARQUES Rebelo.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2970/marques-rebelo. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7