Cláudio Manuel da Costa
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Obras, 1768
Cláudio Manuel da Costa
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú
Texto
Biografia
Cláudio Manuel da Costa (Vargem de Itacolomi, Minas Gerais, 1729 - Vila Rica, Minas Gerais, 1789). Poeta, advogado e minerador. Em 1744, muda-se para o Rio de Janeiro para estudar no Colégio dos Jesuítas e, entre 1749 e 1753, cursa direito canônico na Universidade de Coimbra, em Portugal.
De volta ao Brasil em 1758, se estabelece como advogado em Vila Rica (atual Ouro Preto) e mais tarde torna-se secretário do governo da capitania de Minas Gerais. Publica, em 1768, Obras - Poesias Pastoris, Bucólicas, com citações da mitologia e história clássicas, livro considerado o marco inicial do arcadismo brasileiro. Cinco anos depois, escreve o poema épico Vila Rica, sobre a fundação e a história da cidade, só publicado postumamente, em 1853.
Torna-se amigo do recém-chegado ouvidor da corte, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), a quem se liga por afinidade literária e política. Aos dois costuma-se atribuir a autoria das Cartas Chilenas, circulação anônima (à época) destinada a criticar os desmandos da corte portuguesa, personificada na figura do então governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses (embora, recentemente, se fale mais na autoria de Gonzaga). Rico e influente, vê-se envolvido na Inconfidência Mineira1: preso e interrogado, é encontrado sem vida no cárcere, em 4 de julho de 1789, morte oficialmente registrada como suicídio, mas que até hoje provoca debates entre seus biógrafos.
Análise
Instalada no “limiar do novo estilo”, como diz Antonio Candido (1918-2017), a poesia de Cláudio Manuel da Costa marca o trânsito do barroco ao arcadismo no século XVIII. Por essa razão é considerado chefe inconteste da nova escola. Ele rejeita o que há de exterior e amaneirado no barroco, com as gratuitas acrobacias de palavra e pensamento em que degenera o cultismo àquela altura, ao mesmo tempo em que busca reviver a grande lírica renascentista, recorrendo ao modelo camoniano. Na verdade, como diz José Guilherme Merquior (1941-1991), “sua atitude em relação ao legado barroco não foi de repulsa e sim de criteriosa seletividade; abandonado o cultismo teatral, Cláudio guardou a técnica barroca no que ela possuía de plena funcionalidade estética”2.
É marcante, assim, o toque maneirista em seus sonetos que revivem a tradição petrarquista, alguns dos quais, inclusive, escritos em italiano, língua que cultiva com destreza. A centena de sonetos que escreve faz dele um dos maiores cultores do gênero em língua portuguesa. Mas Manuel Costa não é só um grande sonetista. Pratica com maestria outros gêneros líricos, como a écloga, a epístola e o epicédio. Inspirado, decerto, pelo Uraguai, de Basílio da Gama (1740-1795), arrisca também no gênero épico com o poema Vila Rica, cujos méritos são discutíveis. É certo, todavia, que o poema épico tem ao menos a qualidade de explicitar o diálogo implícito nos demais momentos da obra do poeta, entre colônia e metrópole, barbárie e civilização, ao narrar “o encontro das culturas e a vitória da ordem civil sobre a confusão dos aventureiros à busca de ouro”3, como sintetiza Candido. O mesmo crítico chama ainda a atenção para o emprego que o poeta faz do recurso da metamorfose, “que consiste em imaginar que acidentes naturais como árvores, rios, montanhas são personagens mitológicas transformadas. Com isso, a realidade do país é traduzida em termos da tradição clássica e, de certo modo, se consagra perante a moda literária do Ocidente”4. Exemplo desse procedimento encontra-se na “Fábula do Ribeirão do Carmo”.
Nos sonetos e éclogas de Manuel Costa, é marcante a transposição dos modelos virgilianos para um quadro natural rochoso, frequentemente associado à sua região natal (a das minas de ouro). Por isso Candido fala de uma “imaginação de pedra” a propósito do poeta. Chega mesmo a promover um levantamento estatístico da recorrência dessas imagens pétreas, que dominam 1/4 da obra. Sobre o sentido dessa imagética, nota o crítico que ela pode significar, para o eu lírico, seu anseio profundo de encontrar alicerce - o lugar onde grava seu lamento (em vez do tronco de uma árvore, mais comum na poesia pastoral); um símile para seu sofrimento ou uma antítese para seu coração terno. Só para ficar neste último caso, são exemplo os antológicos versos do soneto XCVIII: “Destes penhascos fez a natureza/ O berço em que nasci: oh quem cuidara/ Que entre penhas tão duras se criara/ Uma alma terna, um peito sem dureza!”.
A recorrência dessas imagens pétreas, rochosas, pode levar a pensar, em princípio, numa subversão da convenção pastoral, que compreende elementos como a do lugar ameno (locus amoenus), remetendo a um cenário natural idealizado: o campo verdejante sempre renovado, com arvoredos e flores multicoloridas que espalham seu odor com a brisa; o som da água a brotar da fonte ou a correr no riacho, os cantos das aves e outros elementos que fazem desse quadro bucólico uma variante, em suma, do paraíso terrestre. Mas não se pode deixar de observar que o cenário rochoso também está previsto pela convenção retórica, que o nomeia, em contrapartida, como locus terrificus. Isso não impede a associação com o cenário mineiro, desde que se compreenda que o poeta o inscreve dentro de uma convenção maior prevista pela retórica clássica. Ligado a esse cenário, Manuel Costa inscreve no diálogo pastoral o sentido do contraste entre rústico e cortesão.
É também marcante em sua poesia, “a ambivalência do intelectual bairrista, crescido entre os duros penhascos de Minas, e do intelectual formado na disciplina mental metropolitana. Exprime aquela dupla fidelidade afetiva de um lado, estética de outro, que o leva a alternar a invocação do Mondego com a do Ribeirão do Carmo”5 - o “pátrio rio” para o qual o poeta aspira a conquistar os símbolos dignificantes do Parnaso: “Cresçam do pátrio rio à margem fria/ A imarcescível era, o verde louro!”.
Segundo Candido, os “pastores de Cláudio encarnam frequentemente o drama do artista brasileiro, situado entre duas realidades, quase diríamos duas fidelidades”6. Esse conflito é explorado mais a fundo por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). O estudioso nota, no contraste entre o espetáculo da rudeza americana e a lembrança dos cenários europeus, o comparecimento - com certa insistência e angústia, em vários versos do poeta - do sentimento de quem se sente, em solo pátrio, um peregrino. Um “desterrado na própria terra”, conforme a expressão famosa evocada pelo historiador em sua obra mais famosa, Raízes do Brasil, para definir o sentimento recorrente entre intelectuais brasileiros formados por concepções, valores e costumes europeus, sem correspondência exata no seu país de origem.
Em vários poemas de Manuel Costa, o eu lírico retorna ao solo pátrio e constata, desiludido, o quanto ele se mostra distante do cenário idílico da pastoral clássica que aprende a amar e a cultuar em sua estada europeia, projetado literariamente às margens dos rios lisboeta ou coimbrão. Nesses poemas, nota Sérgio Buarque, encontramos uma:
(...) espécie de Canção do Exílio às avessas. Enquanto Gonçalves Dias (1823-1864), um século depois, irá entoar, em terras estranhas, um hino aos céus, às estrelas, às aves, às plantas, a todos os primores do país natal que ainda espera rever, Cláudio Manuel da Costa não cessa de rememorar saudoso, em sua própria terra, os ribeiros, as campinas, os pastores canoros do Tejo e do Mondego, queixando-se de já não poder temperar a lira, quando lhe falta, para bem cantar, “a sombra de uma faia”.
Mas, como nota ainda o crítico, em outros poemas, há, em contrapartida, a ênfase dada ao vínculo afetivo do eu lírico com a terra natal, mesmo não correspondendo à pátria idealizada. Como sintetiza, há, na verdade, em Manuel Costa, um “profundo dissídio entre a fantasia literária, que o leva ao Velho Mundo ou, ainda melhor, a um mundo puramente ideal, e o sentimento que o tem preso por tão vivos laços à terra nunca se resolverá satisfatoriamente em sua obra poética”7.
O crítico Sérgio Alcides vem enfatizar a necessidade de se estudar de modo mais detido os vínculos estabelecidos entre o ambiente colonial das Minas Gerais e o sentimento de quem se sente “na própria terra peregrino”, bem como a insistência residual da sensibilidade barroca de Cláudio Manuel da Costa, pensando no modo como a poesia deste se vincula à tradição da melancolia poética, com sua ênfase na solidão do eu, apartado do convívio social, entregue à autoanálise e à reflexão tormentosa, assim como às alternâncias de mania e depressão. Condição essa, aliás, bastante afinada com a sensibilidade moderna. Esse temperamento melancólico é atestado já pela persona poética assumida por Cláudio Manuel: o pastor Glauceste Satúrnio, lembrando que o sobrenome alude ao planeta nefasto que, de acordo com a antiga teoria dos humores e a cosmologia humoral, rege tal temperamento (Saturno), ao passo que o prenome alude a Alceste, o protagonista de O Misantropo, conhecida comédia do francês Molière (1622-1673), que também padece do mesmo mal.
Notas
1 O movimento separatista, ocorrido em 1789, pleiteia a independência da capitania de Minas Gerais do jugo português, principalmente devido à cobrança de altos impostos sobre a extração de ouro.
2 MERQUIOR, José Gilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira, I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.
3 CANDIDO, Antonio. No limiar do novo estilo: Cláudio Manuel da Costa. In: Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. v.1, p. 88-106.
4 Idem.
5 Ibidem.
6 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cláudio Manuel da Costa. In: Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 1991.
7 Idem.
Obras 1
Fontes de pesquisa 6
- ALCIDES, Sérgio. Cláudio Manuel, memória, melancolia. Inimigo Rumor n. 1. Rio de Janeiro, jan.-abr. 1997, Sette Letras.
- CANDIDO, Antonio. No limiar do novo estilo: Cláudio Manuel da Costa. In: ______. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. v.1. p. 88-106
- DUTRA, Valtensir. Cláudio Manoel da Costa In: A literatura no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1958. p. 65-83
- HOLANDA, Sérgio Buarque de. Cláudio Manuel da Costa. In: Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 227-405
- LOPES, Hélio. Cláudio e a Arcádia mineira. In: Letras de Minas e outros ensaios. São Paulo: Edusp, 1997.
- MERQUIOR, José Gilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira, I. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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CLÁUDIO Manuel da Costa.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2770/claudio-manuel-da-costa. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7