Guilherme Gaensly

Comemoração do aniversário da Independência, 1890
Guilherme Gaensly
Matriz-negativo
Acervo do Museu Paulista (São Paulo, SP)
Texto
Guilherme Gaensly (Wellhausen, Suíça, 1843 – São Paulo, São Paulo, 1928). Fotógrafo. Em 1848, muda-se para Salvador acompanhando a família. Entre 1866 e 1870, trabalha como auxiliar no estúdio do fotógrafo Albert Henschel (1827-1882), onde aprende o ofício. Em 1871, associa-se a Waldemar Lange na empresa Gaensly & Lange.
Entre 1871 e 1876, viaja para a Europa. Compra equipamentos e visita estúdios, segundo ele próprio afirma ao Jornal da Bahia. Nos anos 1870, realiza álbuns intitulados Vistas da Cidade da Bahia, em parceria com J. Schleier, de quem é sócio por breve período. Entre 1875 e início dos anos 1880, desfaz as sociedades. Ganha três medalhas de ouro na Exposição do Imperial Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, de 1877. Em 1881, expõe reproduções de pinturas, “vistas” dos anos 1870 e registros fotográficos da estrada de ferro da Bahia ao São Francisco na Exposição de História do Brasil, realizada no Rio de Janeiro.
Em 1882, contrata como assistente Rodolpho Lindemann (c. 1852 - 19-?), seu futuro sócio e cunhado. Em suas cartes-de-visites, cita as medalhas obtidas em exposições nacionais nos anos de 1882 a 1885. Em 1888, forma a empresa Gaensly & Lindemann. Os sócios obtêm medalha na Exposição Universal de Paris, de 1889. Em 1894, abrem filial em São Paulo. Gaensly muda-se para a capital paulista e dirige o estúdio. Tem fotografias publicadas no livro São Paulo, de Gustav Köenigswald[1]. Fotografa muitas propriedades rurais da elite paulistana.
A partir de 1898, presta serviços para a Escola Politécnica, a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a Comissão Geográfica e Geológica. Edita centenas de postais de São Paulo, e obtém sucesso comercial nos anos seguintes. Em 1899, é contratado para registrar as obras urbanísticas da São Paulo Tramway, Light and Power Company, parceria que dura 26 anos e rende várias imagens sobre as mudanças de São Paulo no período.
Em 1900, desfaz a sociedade com Lindemann e fica com o estúdio paulista. Em 1904, recebe medalha de prata na Louisiana Purchase Exposition (Estados Unidos). Em 1908, participa da Exposição Nacional. A partir de 1915, para de fotografar, mas mantém o estúdio aberto por anos.
Análise
Guilherme Gaensly integra a terceira geração de fotógrafos atuantes no Brasil no século XIX. Ingressa na profissão em fins da década de 1860. Em comum com os antecessores, em especial com o alemão Albert Henschel, responsável por iniciá-lo na profissão, tem predileção pela fotografia de vistas e pela operação do pesado equipamento necessário para a produção de imagens em negativos de vidro.
Não ter educação artística prévia (formação de que dispunham quase todos os fotógrafos das primeiras gerações) é a chave para entender as particularidades de seu trabalho.
Essa lacuna de formação faz com que suas imagens sejam destituídas de grande projeto estetizante, à exceção de algumas obras do período em que trabalha em Salvador (186?-1894). A beleza dessas fotografias deve-se mais à exuberante paisagem baiana do que ao esforço de Gaensly em promover articulação formal esteticamente bem-sucedida.
A mesma lacuna faz com que as imagens evidenciem maior liberdade. Livre dos rígidos esquemas de representação da tradição da pintura acadêmica, Gaensly aproxima-se de elementos desprezados por outros fotógrafos e pela maioria dos pintores brasileiros do século passado. Seu olhar volta-se para as vistas urbanas, criando uma alternativa para as visões pitorescas e sublimes que imperam na fotografia e na pintura de paisagem da época.
Além disso, os locais representados nas imagens são habitados. Ele observa esses ambientes de um ponto de vista próximo. Apresenta uma novidade em relação a outros artistas e fotógrafos que, até o século XIX, optam pela distância da paisagem representada. Entre vultos de pessoas que se movimentam durante a tomada da imagem e as que permanecem paradas, nitidamente representadas, Gaensly transmite a visão do cotidiano da cidade.
Isso se torna evidente no conjunto de fotografias e postais que capta desde a mudança para São Paulo, em 1894. Esse olhar é reforçado pela aproximação do fotógrafo com importantes instituições responsáveis pelas obras de geração de energia, infraestrutura e transportes na cidade, como a Escola Politécnica, a Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas e, após 1899, a São Paulo Tramway, Light and Power Company. Essa última, em especial, é responsável pelas maiores mudanças nas relações sociais e urbanas em São Paulo no início do século XX: a instalação das linhas de bonde e a difusão e comercialização da energia elétrica.
Gaensly, por 25 anos, é o principal fotógrafo contratado para registrar as obras da São Paulo Tramway. Esse contrato coincide com sua inclinação para o registro do ambiente urbano. Ele potencializa essa tendência quando, nos primeiros anos de 1900, os avanços na fotografia oferecem mais liberdade e velocidade na captação de imagens.
Longe do legado da pintura, Gaensly cria maneiras de captar situações que a tradição daquele meio não prevê: representa o instante e o transitório. Define um padrão que desperta o interesse de outros fotógrafos, preocupados em registrar as mesmas situações. É o caso de Aurélio Becherini (1879-1939), de quem é contemporâneo e a quem provavelmente influencia.
Há entre os dois, no entanto, uma diferença fundamental: o olhar solto e livre do jovem Becherini está em acordo com o equipamento que usa – menor, mais leve e fácil de manusear. Gaensly, por sua vez, cria imagens também leves, instantâneas, fáceis de serem tiradas, embora os equipamentos utilizados sejam grandes e pesados. Representa a síntese interessante de um fotógrafo que tem seu aprendizado no século XIX e o auge da carreira no século XX.
Notas
1. Nos anos seguintes, suas imagens integram vários impressos. Dentre eles, destacam-se Lo Stado di S. Paulo (1902), publicação do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; História da viação pública de São Paulo (tradução para o alemão, 1903), do engenheiro Adolfo Augusto Pinto; e São Paulo antigo, São Paulo moderno (1554-1904) (1905), editado por Jules Martin, Nereu Rangel Pestana e Henrique Vanorden (1878-1919).
Obras 67
Academia de Direito de São Paulo (SP)
Aterro do Córrego Estanislau, Estrada de Ferro Sorocabana
Aterro nº 15, Corte nº 14, Estrada de Ferro Sorocabana
Avenida Paulista (São Paulo, SP)
Exposições 30
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2/12/1882 - 1881
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30/4/1904 - 1/12/1904
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1976 - 1976
Fontes de pesquisa 28
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Como citar
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GUILHERME Gaensly.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2361/guilherme-gaensly. Acesso em: 03 de maio de 2025.
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