Letícia Parente
![Marca Registrada, 1975 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/013302096689.jpg)
Marca Registrada, 1975
Letícia Parente
Formato original: porta-pack ½ polegadas
Acervo Fundação Itaú
Texto
Letícia Tarquinio de Souza Parente (Salvador, Bahia, 1930 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991). Videoartista, gravadora, pesquisadora, professora. Pioneira da videoarte no Brasil, transita também pela criação em fotografia, audiovisual1, xerox, arte postal, instalação, gravura e pintura. A casa e o corpo são fundamentais em sua obra, estabelecendo um diálogo entre a vida íntima e o mundo.
Graduada e licenciada em química em 1952, dedica-se à educação, trabalhando em Salvador, no Rio de Janeiro e em Sabinópolis (Minas Gerais). Estabelece-se com a família em Fortaleza em 1959 e torna-se professora titular de química na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Aos 40 anos de idade, muda-se para o Rio de Janeiro, onde cursa mestrado em química na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RIO). Tem contato com práticas artísticas por meio de aulas realizadas no Núcleo de Atividades Criativas (NAC), em Botafogo, e passa a produzir gravuras. Em 1973, tendo retornado a Fortaleza, ganha o prêmio de aquisição do Salão de Abril e realiza sua primeira exposição individual no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC), intitulada Monotipias e composta de 29 obras em gravura2. Segundo o artista plástico Hélio Rola (1936), no conjunto apresentado ao público há o interesse por uma figuração de gestos aparentes e livres, como em Cavalo de brinquedo (1973), em que se vê um cavalo contornado com traço fluido e uma ave composta de linhas mais largas – marcas de expressão de Parente.
Retorna ao Rio de Janeiro em 1974 para continuar suas pesquisas acadêmicas na área da química e, ao mesmo tempo, estuda com a artista Anna Bella Geiger (1933). Elas são as primeiras a produzir no Brasil obras em vídeo utilizando a câmera portapack3, trazida dos Estados Unidos pelo diretor de cinema Jom Tob Azulay (1941).
A obra Marca Registrada (1975) é um vídeo de 10 minutos que mostra Letícia Parente em super close4 costurando a expressão “MADE IN BRASIL” com agulha e linha na sola de seu pé. O corpo passa a ser entendido como uma mercadoria e não mais como aspecto físico de um indivíduo. Expõe-se o pertencimento a um país em um período violento de ditadura militar (1964-1985)5 por meio de um gesto doloroso. A pele é marcada ponto a ponto e produz uma sensação de angústia em quem observa a imagem ao longo do plano sequência6 – elemento estético essencial em outros trabalhos da artista em vídeo, priorizando o tempo da ação.
Sem a possibilidade de fazer cópias, as matrizes7 enviadas aos eventos de arte muitas vezes não retornam, e algumas obras da artista em videoarte são perdidas.
Letícia Parente também utiliza o audiovisual como meio artístico, apresentando o trabalho Eu Armário de Mim (1975). Nele, fotografias de seu guarda-roupa contendo cadeiras, calçados, exames médicos, temperos, objetos de culto, todos os seus cinco filhos, entre outras imagens com elementos da casa, são encadeadas ao som de um texto seu que, como um poema, repete o nome da obra e reflete sobre o tempo e a vida. A casa, assim como o corpo, é outro ponto fundamental do conjunto de sua obra. Ela permite, por meio da estruturação dos aspectos diários, conectar a rotina e as ideias da artista com o mundo no qual está situada, constituindo uma taxonomia8 poética muito próxima ao cotidiano.
Em 1976, apresenta, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), a instalação Medidas, uma das primeiras obras no Brasil a abordar as relações entre arte e ciência. Utilizando o audiovisual, a xerox, a fotografia e o jornal, Parente cria um circuito em que os visitantes da exposição passam por várias estações, nas quais medem as características de seu tipo físico, sua capacidade respiratória, a resistência à dor, o grupo sanguíneo, a acuidade visual, a atenção, alguma medida secreta e a percepção de sabores. Todos esses dados são anotados em uma ficha individual e em relatórios coletivos. Além do autoconhecimento sobre o próprio corpo, as pessoas são confrontadas com informações a respeito de padrões, classificações, recordes, e referências valorativas, colocando em questão a qualificação e a competição violenta incitadas pelas categorizações feitas pela ciência ou pseudociência. Corpo, ação e relações entre a subjetividade e o meio em que se vive são reiterados nessa obra com a chamada direta à participação.
A pluralidade do trabalho artístico de Letícia Parente reflete o dinamismo exercido em sua vida: a não fixação em um meio de expressão, a experimentação e a racionalidade como método interrogativo que se pauta pelas descobertas, aproximando arte e vida.
Notas
1. Projeção de fotografia em slides com som sincronizado.
2. Os monotipos são gravuras de impressão única feitas por meio da prensagem do papel contra a tinta trabalhada sobre superfície lisa e impermeável.
3. Sistema portátil de gravação analógica, alimentado por bateria, que surge em 1967 e possibilita gravar vídeos fora do estúdio.
4. Imagem bastante aproximada e fechada em algum detalhe que se quer ressaltar.
5. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
6. Registro de uma ação inteira sem cortes.
7. Os vídeos originalmente gravados.
8. Técnica de classificação ou de distribuição sistemática em categorias.
Obras 3
Exposições 63
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5/12/1974 - 22/12/1974
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29/9/1977 - 30/10/1977
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13/12/1978 - 20/12/1978
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16/10/1981 - 20/12/1981
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24/10/1985 - 24/11/1985
Exposições virtuais 1
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12/5/2020 - 23/11/2020
Fontes de pesquisa 6
- MACHADO, Arlindo (org.). Made in Brasil: três décadas de vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2007.
- MUSEU DE ARTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – MAUC. Exposição 1973.03 – Letícia Parente – 09 ago. 1973. Disponível em: https://mauc.ufc.br/pt/exposicoes-realizadas/exposicao-1973-03-leticia-parente-09-08-1973/. Acesso em: 13 jul. 2020.
- OFERECE-SE criação. E isso pode mudar tôda a sua vida. Correio da manhã, Rio de Janeiro, 21 set. 1971. Anexo, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_08&pagfis=24414&url=http://memoria.bn.br/docreader#. Acesso em: 29 jul. 2020.
- PARENTE, André; MACIEL, Kátia (orgs.). Letícia Parente. Rio de Janeiro: +2 Editora, 2011.
- ROLA, Hélio. (Apresentação). In: MUSEU DE ARTE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-MAUC. Leticia. Fortaleza: [s.n], 1973.
- SÁ, Gilberto F.; FERREIRA, Ricardo. In Memoriam – Letícia T. de S. Parente. Química Nova, São Paulo, v. 16, n. 5, p. 499, set./out. 1993. Disponível em: http://quimicanova.sbq.org.br/detalhe_artigo.asp?id=917. Acesso em: 13 jul. 2020.
Como citar
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LETÍCIA Parente.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa216185/leticia-parente. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7