Décio Otero
Texto
Décio Otero (Ubá, Minas Gerais, 1933). Bailarino, coreógrafo, professor e diretor. Começa a estudar dança em 1951 com o coreógrafo e bailarino Carlos Leite (1914-1995), no Ballet de Minas Gerais, que se torna a Companhia de Dança do Palácio das Artes. Nessa fase, assina o primeiro contrato profissional e dança O Espectro da Rosa (1911) e Les Sylphides (1909), de Mikhail Fokine (1880-1942), adaptados por Carlos Leite e outros. Cria sua primeira coreografia, Sonata do Luar, em 1953, que é incorporada ao repertório da companhia. Viaja para o Rio de Janeiro em 1956, a convite de Tatiana Leskova (1922), para integrar o Ballet do Theatro Municipal e nesse ano conhece sua companheira, a bailarina húngara radicada no Brasil Márika Gidali (1937). Na companhia carioca, Otero trabalha com artistas que utilizam diferentes técnicas de dança: a clássica, a moderna e o jazz, entre outras. Torna-se solista da companhia e, em 1958, começa a participar dos shows do Teatro de Revista. Participa, em 1959, do elenco do Ballet do Rio de Janeiro, dirigido por Dalal Achcar (1937), e viaja em turnê internacional. De 1959 a 1960, recebe prêmios por sua atuação nas obras pas de deux, clássico de Cisne Negro (1959), de Eugênia Feodorava, e Yara (1960).
Faz parte, em 1961, da abertura do 1º Concurso Internacional de Dança no Rio de Janeiro, interpretando a versão de Maryla Gremo para o pas de deux Romeu e Julieta, com Bertha Rosanova (1930-2008). Em 1964, entra para o corpo de baile do Ballet du Grand Théâtre de Genève, Suíça, convidado pela bailarina Beatriz Consuelo (1931). Sob a direção de Serge Golovine (1924-1998), dança, em papel de destaque, La Somabulle (1964), de George Balanchine (1904-1983). Na Alemanha ingressa, em 1966, no Balé da Ópera de Colônia, dançando obras de Balanchine e de Lander. Desse contato com Lander, surge, em 1967, o convite para participar do filme musical King, exibido em Copenhagen (Dinamarca), fazendo o primeiro papel. Na qualidade de primeiro-bailarino, participa do elenco do Balé da Ópera de Frankfurt, no mesmo ano.
Retorna ao Brasil em 1970 para residir em Minas Gerais. Viaja para Curitiba para ministrar um curso de dança no Balé Teatro Guaíra, tendo Márika Gidali como uma das participantes. Ela lhe propõe a tarefa de organizarem Convite à Dança, programa didático sobre diversas vertentes da dança para a TV Cultura (São Paulo), com direção teatral de Ademar Guerra (1933-1993). No ano seguinte, inaugura o Ballet Stagium com a bailarina Marika Gidali, com quem se casa. Cria mais de 100 obras para a companhia, que se torna uma referência da dança brasileira. Também produz peças de teatro. As coreografias de Otero para a companhia têm temas ligados à mistura de raças e a situação social do país, mesclando técnicas do balé clássico e moderno. Viaja com a companhia por América Latina, Estados Unidos e Europa. Ao lado de Gidali, lança vários projetos e ações que modificam o cenário da dança brasileira, entre eles o Professor-Criativo (1991) e o Joaninha (1999), dirigidos a escolas da periferia paulistana. Dentre os inúmeros prêmios que recebe, destacam-se: Governador do Estado em São Paulo (1961), APCA (1974, 1974, 1977, 1979) e, em 2005, a Ordem do Mérito Cultural (Distrito Federal). Escreve os livros Stagium: as Paixões da Dança (1999) e Marika Gidali (2001).
Análise
A chegada do bailarino Décio Otero a São Paulo inaugura, para a área da dança, um conjunto de iniciativas artísticas que vão reconfigurar o lugar dessa arte na cidade. Até o início da década de 1970, a dança profissional é representada pelo Corpo de Baile Municipal (atual Balé da Cidade de São Paulo) e por grupos e artistas independentes, com projeção tímida no cotidiano da vida cultural paulista. Nesse contexto, o artista mineiro associa seu percurso artístico com o movimento contestatório que mobiliza o país nos anos 1970. O Brasil, em plena ditadura militar, vive a falta de liberdade, a censura e as perseguições, que são recorrentes no dia a dia. É na tradução desse período que sua fala, sua arte e seus movimentos vão sendo desenhados, não somente nos corpos dos bailarinos do Ballet Stagium, companhia que funda, em 1971, com a bailarina Marika Gidali, mas na paisagem da dança brasileira.
Na fase inaugural do grupo, além de coreografar e dirigir, atua como professor dos bailarinos Anton Garcez, Chu-Fa Ching, Geralda Araújo, Lilianne Benevento, Marika Gidali, Milton Carneiro, Pedro Paulo Kraszczuk e Silvia Antunes. O maestro Décio – como é chamado nos teatros, nas salas de aula, pela maioria dos profissionais e bailarinos amadores que têm a oportunidade de conviver com ele – forma um número expressivo de bailarinos que aprendem o ofício na sua integridade. Isso abrange a compreensão da responsabilidade de ser artista, a disciplina, o respeito à arte e às questões técnicas, tais como montar um palco para se apresentar.
Décio começa a criar a sua própria assinatura iniciando um processo de implementação de outra abordagem relativa aos modos de produção coreográfica e de construção de outra maneira de lidar com o fazer da dança. Separar Décio Otero do Ballet Stagium é uma tarefa árdua, pois é com essa companhia e com Gidali que ele desenvolve essas premissas. São os temas nacionais que pautam as coreografias e a filosofia do pensamento de Otero. Já a primeira temporada de suas coreografias com o Ballet Stagium, em 1971, traz um posicionamento crítico voltado a diversas indagações. Entre elas, o papel da arte, a profissão de bailarino, os tempos modernos e a dança como estética padronizada. São apresentadas as obras Dessincronias, Impressions e Allegretto, no Cine Teatro Independente, na cidade de Santos.
Passadas quase quatro décadas, a situação dos índios, brancos, negros, mulatos, crianças, adolescentes, enfim, dos cidadãos brasileiros inseridos nas questões sociais, políticas e econômicas do país permeia o trabalho desse inquieto artista, sempre preocupado em comunicar sua arte de forma legível tanto aos que não têm o hábito de frequentar a dança, bem como ao público já iniciado e a profissionais da área. Kuarup ou a Questão do Índio, com estreia em julho de 1977, é uma das obras do repertório que cumpre essa função. Décio cria um espetáculo na língua brasileira, “conscientizei-me da necessidade de criar uma obra de dentro pra fora, daqui para lá, do Brasil para o mundo”.
Trilhando um percurso profissional bastante sólido e tendo na bagagem, como intérprete, mais de 70 obras, convive com profissionais e instituições da área que são referência no contexto da dança, da ópera, da televisão e do teatro nacional e internacional. Da mescla de linguagens artísticas praticadas ao longo de sua carreira, que vai de clássicos e neoclássicos a modernos, nas obras de Otero a riqueza da arte brasileira – música, cinema, literatura – funciona como a base estrutural para a construção de seu repertório, que apresenta, em suas palavras, “criar um repertório com uma forte identidade latino-americana”. Inaugura a feitura de uma coreografia baseada em livro com Diadorim, obra criada em 1972, que se inspira em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967). O mesmo acontece com a peça de teatro Navalha na Carne, de Plínio Marcos, em que um texto teatral é traduzido em dança. Com o nome de Quebradas do Mundaréu, a coreografia estreia em 1975, no Theatro Municipal de São Paulo.
Buscando uma dança para todos os públicos, e interessado sem expandir essa arte para todo o país, a dupla Otero e Gidali leva a companhia para se apresentar em várias regiões e espaços até então considerados inóspitos, como igrejas, hospitais, presídios, conveses de navio, pátios de escolas e outros, promovendo a descentralização da dança. Nessas iniciativas, Otero e Gidali lidam também com questões pertinentes à formação de plateia, no momento em que potencializam o entendimento da função da dança como arte que possibilita a educação de uma sociedade. Dessa forma, o eixo Rio-São Paulo deixa de ser o caminho certo para a realização dos espetáculos da companhia. Mapeando o país, o Ballet Stagium se apresenta em cidades, municípios e estados desprovidos de espaços culturais e de recursos financeiros.
Décio dança, coreografa, ministra aulas, dirige e escreve. Em seus livros, apresenta o olhar de quem produz, a ação do ofício da dança, o artista falando da sua própria história, dando visibilidade a aspectos que só quem vive pode narrar. A dança pertence à sua vida como a sua vida pertence à dança, e ele é considerado pela crítica nacional e internacional uma figura emblemática da dança brasileira. Com um estilo próprio que se revitaliza há mais de 40 anos, Décio não se encanta com a novidade, com a produção descartável. Militante da arte da dança, em depoimento, declara: “O Ballet Stagium é um balé repórter, é do aqui e do agora”.
Espetáculos 3
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22/6/1950 - 24/6/1950
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Espetáculos de dança 6
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1951 - 1951
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10/9/1960 - 13/9/1960
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13/11/2008 - 30/11/2008
Fontes de pesquisa 17
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- NAVAS, Cássia. Imagens da dança em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Centro Cultural de São Paulo, 1987.
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- OTERO, Décio. [Currículo virtual]. Disponível em: http://www.stagium.com.br/page_detail.cfm?id_noti=1035&secao=companhia.
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- SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura: Fundação Nacional de Artes Cênicas, 1989.
Como citar
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DÉCIO Otero.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa213397/decio-otero. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7