Lygia Bojunga
Texto
Lygia Bojunga Nunes (Pelotas, Rio Grande do Sul, 1932). Autora de literatura infanto-juvenil. Passa sua primeira infância em uma fazenda. Aos 8 anos muda-se com a família para o Rio de Janeiro. Em 1951, torna-se atriz da Companhia de Teatro Os Artistas Unidos, e viaja pelo interior do Brasil. Atua nesse momento, também, como atriz de rádio. Ao abandonar os palcos e as atividades que exerce, começa a escrever para o rádio e a televisão. Em busca de uma vida mais integrada à natureza, refugia-se no interior do estado do Rio de Janeiro. Funda, acompanhada de seu segundo marido, Peter, uma escola rural para crianças carentes, a Toca, que dirige por cinco anos. Faz sua estreia literária em 1972, com o livro Os Colegas, e, já em 1973, recebe o Prêmio Jabuti. Em 1982, torna-se a primeira autora, fora do eixo Estados Unidos-Europa, a receber o Prêmio Hans Christian Andersen, uma das mais relevantes premiações concedidas aos gêneros infantil e juvenil. Nesse mesmo ano muda-se para a Inglaterra, vivendo alternadamente entre esse país e o Brasil. Em 1988, volta ao teatro, escrevendo e atuando em palcos no Brasil e no exterior. Trabalha com edição e produção de livros, feitos de forma artesanal. Em 1996, publica Feito à Mão, uma realização alternativa à produção industrial, como indica o título, composto manualmente com papel reciclado e fotocopiado. Em 2002, publica Retratos de Carolina, o primeiro livro de sua própria editora, a Casa Lygia Bojunga. Pelo conjunto de sua obra, em 2004, ganha o Astrid Lindgren Memorial Award, prêmio criado pelo governo da Suécia, jamais antes outorgado a um autor de literatura infantojuvenil. Com esse incentivo, cria nesse ano a Fundação Cultural Lygia Bojunga com o intuito de desenvolver ações que aproximem o livro da população brasileira.
Análise
A produção literária de Lygia Bojunga caracteriza-se pela transgressão dos limites entre a fantasia e a realidade e aborda questões sociais contemporâneas com lirismo e humor. A autora, segundo a crítica literária Marisa Lajolo, nos momentos mais significativos de sua obra, debruça-se "sobre a perda da identidade infantil" e sobre as possibilidades de construção dessa mesma identidade dentro das perspectivas cotidianas dos centros urbanos contemporâneos.
Em seu livro mais conhecido, A Bolsa Amarela, vê-se o processo de amadurecimento da jovem Raquel, que vive em conflito com a família. Com o objetivo de criar um refúgio para o seu universo íntimo, suas fantasias e segredos, transforma uma bolsa amarela numa espécie de extensão do seu mundo interior, de modo a mantê-lo protegido e resguardado. O embate entre suas reinações e a realidade externa se dá, desse modo, na dimensão da bolsa amarela ou em suas imediações - numa zona limítrofe em que não se pode distinguir exterior e interior. O elemento pedagógico, presente na maior parte da literatura produzida para o público infantojuvenil, aparece em A Bolsa Amarela não como um fator ou acontecimento externo que transforma a personagem, e sim como fruto de um processo reflexivo da própria Raquel, e que se realiza através de sua busca pela preservação da própria identidade.
A Casa da Madrinha, livro posterior de Lygia, dá outra direção a essa mesma problemática - o conflito entre realidade interna e externa -, e tem como foco os medos infantis. O protagonista da trama é um menino pobre, morador de uma favela do Rio de Janeiro, que sai de casa em busca da casa da madrinha, lugar inventado por seu irmão, em que as dificuldades materiais não existem. De maneira diferente de A Bolsa Amarela, um narrador externo fornece o contexto no qual transcorre a história. Mostra assim Alexandre, o menino pobre, no momento em que faz uma apresentação para conseguir alguns trocados e comer com um pavão que encontra pelo caminho. E Vera, uma menina de classe média, que mora com a família em uma casa no campo. O diálogo entre esses personagens, que mescla situações da história pessoal de Alexandre com suas fantasias, estabelece a tensão narrativa. Vera quer abrigar o menino dentro de sua casa, mas é persuadida pelos pais a deixá-lo temporariamente na casinha de ferramenta e mandá-lo embora em seguida. É no contato de Alexandre com Vera que se conhecem os objetivos do garoto, sua intenção de chegar à casa da madrinha. Juntos, eles realizam essa busca, inventando um cavalo que toma forma e permite o encontro. Desse momento em diante a ficção se descola do andamento anterior em direção à pura fantasia. O atrito com a realidade é, no entanto, inevitável, mas se encaminha para uma resolução positiva do conflito.
Em Corda Bamba, as fantasias também funcionam como o elemento que pode promover a superação de dificuldades pessoais. O simbolismo em relação a esse processo de amadurecimento é construído por meio de uma personagem principal que usa uma corda bamba para entrar em uma casa estranha com muitas portas fechadas, do outro lado da rua. Essa situação é, na prática, uma maneira de elaborar a morte inesperada dos seus pais.
Em O Sofá Estampado, Lygia faz uma nova incursão nas histórias com animais, como ocorre em seu primeiro livro publicado, Os Colegas, que também coloca em cena um grupo de bichos como personagens - uma tradição da literatura voltada ao público infantil. No entanto, o personagem principal de O Sofá, o tatu Vítor, ganha uma caracterização psicológica que destaca a obra dentro dessa tradição. Segundo o crítico literário José António Gomes, "o leitor percebe que não se encontra apenas perante mais uma história simplista de animais humanizados (...) mas sim a ler um texto que, na sua extraordinária economia de meios, o confronta com um complexo de tópicos em que avultam a identidade e a alteridade, o isolamento e a socialização, a regressão e o crescimento, a morte e o desejo". A perda da identidade infantil, centro de força da obra da autora, segundo Marisa Lajolo, se configura no livro por meio da alegoria. Através da história do tatu Vítor observam-se as angústias experimentadas pelo personagem, relacionadas ao processo de amadurecimento.
Lygia redefine assim os limites entre o real e a fantasia, incorporando ainda questões sociais contemporâneas. Em Seis Vezes Lucas, e também em Tchau, descreve por meio do ponto de vista infantil os conflitos e rearranjos por que passam as famílias atuais, tendo em vista as transformações do comportamento e da cultura no século XX. Temas polêmicos como suicídio estão presentes em 7 Cartas e 2 Sonhos e O Meu Amigo Pintor.
Além da atividade de escritora, ela cria a Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga, projeto que desenvolve ações ligadas à popularização do livro no Brasil. E sua própria editora, a Casa Lygia Bojunga, que lhe possibilita ter um controle maior de todas as etapas de produção de seus livros bem como as de distribuição e divulgação. Não obstante, permite o exercício literário experimental subjugado apenas a seus anseios como escritora.
Obras 59
Espetáculos 4
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 4
- MENDES, M. dos P. S. Monteiro Lobato, Clarice Lispector, Lygia Bojunga Nunes: o estético em diálogo na literatura infanto-juvenil. São Paulo, 1994. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
- SANDRONI, L. De Lobato à década de 1970. In: SERRA, E. D. (Org.). 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
- SILVA, R. M. G. Da casa real à casa sonhada: o universo alegórico de Lygia Bojunga Nunes. São José do Rio Preto, 1996. 248p. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".
- SOARES, H. S. Eu conto, tu lês, nós construímos: o narrador e o leitor em Lygia Bojunga Nunes. Porto Alegre, 1995. 127p. Dissertação (Mestrado em Lingüística e Letras) - Pontifícia Universidade Católica.
Como citar
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LYGIA Bojunga.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa19123/lygia-bojunga. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7