Carlos Gomes
Texto
Antonio Carlos Gomes (Vila de São Carlos, atual Campinas, São Paulo, 1836 - Belém, Pará, 1896) - compositor. Filho de Manuel José Gomes (1792-1868), regente da banda da cidade e professor de piano, violino, canto e órgão. Em 1846 toca triangulo na banda marcial durante a visita de D. Pedro II à cidade de Campinas. No ano seguinte estuda clarineta, piano e violino - com o professor Paul Julien, violonista premiado pelo conservatório de Paris - e faz suas primeiras composições. Muda para São Paulo e hospeda-se em uma república de estudantes juntamente com seu irmão José Pedro de Santana Gomes, violinista e o amigo clarinetista Henrique Luis Levy. Os irmãos apresentam-se em concertos públicos no teatro do Pátio do Colégio. Compõe o Hino acadêmico, e a modinha Quem sabe?,1859, com versos do poeta Bittencourt Sampaio (1834-1895).
No segundo semestre de 1859, decide estudar no Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Francisco Manuel da Silva (1795-1865), autor do Hino nacional brasileiro, diretor e professor do Conservatório, encomenda ao compositor uma cantata para ser tocada na presença do imperador D. Pedro II. Em agosto de 1860, apresenta outra cantata na Igreja da Cruz dos Militares, garantindo sua nomeação, em 1861, ao cargo de regente de Orquestra da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. Em setembro de 1861 estréia sob a regência de Francisco Manuel da Silva sua primeira ópera, A noite no castelo, tendo como base o poema do escritor romântico português Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875).
Apresenta sua ópera Joana de Flandres, do libreto de Salvador de Mendonça, no Teatro Lírico Nacional, no Rio de Janeiro, em 1863. Recebe do governo imperial uma pensão para estudar em Milão, onde tem aula com o maestro Lauro Rossi (1810-1885). Escreve a ópera Il Guarany, baseada no romance O Guarani, do escritor José de Alencar (1829-1877), do libreto de Antônio Scalvini. Estreia no teatro Scala, de Milão, em 19 de março de 1870 e se apresenta em várias capitais da Europa. O Sucesso da ópera rende a ele o título de Cavaleiro da Ordem da Coroa, da Itália, e o coloca entre os principais compositores internacionais.
Em 1871 volta a Milão e casa-se com a pianista italiana Adelina Peri. A ópera Fosca estreia em 1873 no Teatro Scala de Milão, mas não é bem recebida pelo público nem pela crítica. Escreve mais duas óperas Salvator Rosa, 1874 e em 1879, Maria Tudor. Vem ao Brasil em 1880 e faz apresentações na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Volta à Itália em novembro do mesmo ano e fica no país por mais dois anos. A partir de 1882 passa a morar parte do tempo no Brasil e parte na Europa. Compõe nova ópera com temática brasileira e dedica à princesa Izabel: Lo schiavo, em 1889. Com a proclamação da República em nosso país, perde o apoio oficial e decide voltar para Milão em 1890. Carlos Gomes demonstra gratidão pelo imperador negando-se a fazer o Hino da República.
No ano seguinte estreia a sua ópera Condor (1891). Escreve Colombo (1892), um oratório em comemoração aos quatrocentos anos do descobrimento da América. Participa do Brazilian day, evento que ocorre em Chicago, em 1893, em comemoração ao 71º aniversário da independência brasileira e que faz parte dos preparativos para a participação do Brasil na Exposição Colombiana de Chicago. Retorna ao Brasil em 1895 e no ano seguinte assume a direção do Conservatório de Música de Belém. Após três meses no cargo, morre em Belém, aos 60 anos.
Análise
"Rotulado ora como seguidor de Verdi, ora de Wagner, algumas vezes tido como herói nacional por ter vencido em Milão, outras desqualificado como paradigma para as novas gerações de compositores, como ocorreu nas primeiras décadas do século XX, parte-se aqui do pressuposto que, nas formas sinfônicas de suas óperas, Gomes seguiu, no entanto, um caminho estético próprio e seu estilo, bastante pessoal, foi receptivo a influências ecléticas que incluíram desde a música italiana do século XIX à ópera francesa, passando pelo drama musical wagneriano e o sinfonismo de inspiração clássica presente nas produções da chamada música absoluta das últimas décadas do século XIX", afirma o pesquisador Marcos Pupo Nogueira, no seu trabalho sobre Carlos Gomes: Muito Além do Melodrama.
Il Guarany é a primeira tentativa de criar uma síntese nacional através da música. Para chegar a este ponto, Lorenze Mammi aponta o importante papel de vários aspectos da formação musical de Carlos Gomes. Campinas, cidade onde nasce o compositor é o centro dinâmico de uma elite progressista que tem papel importante na modernização do Brasil. Participa de banda militar mantida por seu pai, Manoel José Gomes. Compõe também música de salão: modinhas, polcas, valsas, quadrilhas e até congada, a exemplo de A Coimbra. Quando vai para o Rio de Janeiro já tem toda esta experiência na bagagem à qual se soma o trabalho na Companhia de Ópera Nacional.
O conhecimento e a experiência com a música popular é patente na obra Il Guarany, em cuja orquestração predomina o naipe dos instrumentos de bocal, uma qualidade inovadora, a mesma referência das bandas militares leva às inovações orquestrais, por exemplo, de Franz Liszt (1811-1886) e Richard Wagner (1813-1883). As danças de salão também aparecem no Il Guarany, como no Bailado dos índios, do segundo ato. Nesta peça orquestral, Carlos Gomes utiliza novamente várias danças de salão compostas anteriormente. O efeito orquestral que consegue é uma simulação de primitivismo bastante moderno, que Mammi aponta como sendo o tipo de efeito que seria desenvolvido por Stravinsky e Villa-Lobos em décadas posteriores.
Utiliza elementos de seu tempo e que têm ligação musical com seu país. O compositor acredita que suas obras devam ser tematicamente nacionalistas. A respeito do emprego das tendências de instrumentação mais inovadoras do séc. XIX, especificamente no naipe de trompetes, observa-se que Carlos Gomes utiliza com competência os recursos timbrísticos provenientes tanto da cultura brasileira da época, quanto no que havia de mais moderno na constituição do naipe de trompetes do sinfonismo germânico. Estas características foram seguidas por compositores do período romântico, o que demonstra a especialidade no uso do naipe com diferenciados trompetes, utilizado precocemente por Carlos Gomes.
Fosca (1873), ópera seguinte a Il Guarany, traz inovações como o dueto de vozes femininas, recurso que logo a seguir, é utilizado por Amilcare Ponchielli (1834-1886) em sua Gioconda e, mais tarde, por Giacomo Puccini (1858-1924). "Em Fosca, apesar da instrumentação pesada, de grandes efeitos, a orquestra não encobre os cantores em nenhum momento, coisa rara nas obras da mesma época", explica o maestro Luiz Fernando Malheiro.
A ópera Condor que estreia em Milão em 1891 é a última produção dramática do compositor e uma das menos encenadas na Itália sendo feitas somente duas montagens: a da estreia e dois anos depois a de Gênova. Na introdução utiliza uma escala descendente dividida em dois momentos: o primeiro constituído por uma completa escala de tons inteiros e o segundo, por uma escala cromática. Provavelmente Carlos Gomes associa a escala a um mundo exótico e oriental, mas não deve ser descartada a possibilidade de que ao mesmo tempo busca novas sonoridades, uma renovação harmônica e melódica a partir de escalas não diatônicas, como vários compositores de sua geração. Os compositores russos, na primeira metade do século XIX, são os primeiros a fazer uso mais corrente da escala de tons inteiros na historia da música ocidental.
Um importante aspecto indicativo do interesse de Carlos Gomes pelo desenvolvimento sinfônico de seus motivos: após o recitativo, o músico transfere o motivo de Condor da parte vocal para a orquestral, algo que denota sua tendência por um tipo de desenvolvimento no qual a condução temática da ópera se dá tanto nas partes vocais quanto nas orquestrais. Tal processo tem como objetivo evitar a dicotomia canto/acompanhamento orquestral, que tanto permeou as óperas italianas produzidas durante o século XIX.
Como na Fosca percebe-se no Condor um esforço consciente de renovação formal. Existem soluções harmônicas e empregos vocais que mostram o quanto Gomes, acompanha as modificações introduzidas pelos veristas no idioma do melodrama italiano - e que, na verdade, ele antecipa nas páginas mais inovadoras da Fosca ou da Maria Tudor.
Do ponto de vista estrutural Lo Schiavo é uma ópera que apresenta Carlos Gomes em um de seus melhores momentos de inspiração melódica, capaz de "encontrar harmonias e timbres raros, de aproveitar ritmos inusitados e de utilizar modulações as mais eficazes e inesperadas", observa o pesquisador Marcus Góes.
A busca de Carlos Gomes por coerência temática encontra um lugar privilegiado em suas sinfonias e prelúdios, já que a concepção fundamentalmente sinfônica de suas óperas fica ainda mais evidente nos espaços concentrados e sintéticos dessas formas orquestrais, contrariando os melodramas escritos pelos compositores italianos da segunda metade do século XIX.
Espetáculos 13
Espetáculos de dança 1
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 12
- ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: livraria Martins Editora, 1965.
- COELHO, Lauro Machado. A ópera italiana após 1870. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
- EICHBAUER, Hélio. [Currículo]. Enviado pelo artista em: 24 abr. 2011.
- GÓES, Marcus. Carlos Gomes - Documentos comentados. São Paulo, Editora Algol, 2008.
- MAMMI, Lorenzo. Carlos Gomes. São Paulo: Publifolha, 2001.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- MORAES FILHO, Mello. Artistas do meu tempo: seguidos de um estudo sobre Laurindo Rebello. Rio de Janeiro: H. Garnier - Livreiro-Editor, 1904. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, São Paulo, [s.d.]. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4149. Acesso em: 24 out. 2021
- NOGUEIRA, Marcos Pupo. Muito além do melodrama: os prelúdios e sinfonias das óperas de Carlos Gomes. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
- RODRIGUES, Lutero. Carlos Gomes - um tema em questão. São Paulo: Editora UNESP, 2011.
- RONQUI, Paulo Adriano; PIRES, Roberto César. O Naipe de Trompetes na Obra de Antônio Carlos Gomes. XVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPPOM) - Salvador, 2008.
- SQUEFF, Enio; WISNIK, José Miguel. Música - O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.
- ______________ Carlos Gomes - A força indômita. Florianópolis, SC (UFSC): Editora Secult, 1996.
Como citar
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CARLOS Gomes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa15076/carlos-gomes. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7