Antônio Houaiss
Texto
Antônio Houaiss (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1915 - idem 1999). Filólogo, lexicógrafo, tradutor, crítico literário, professor e diplomata. Filho de imigrantes libaneses, realiza os cursos primário e ginasial no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. É ainda na escola que trava contato com aqueles que seriam, por toda a vida, seus mestres: Joaquim Mattoso Câmara Junior (1904-1970), Antenor Nascentes (1886-1972) e Ernesto Faria Júnior. Forma-se perito-contador pela Escola de Comércio Amaro Cavalcanti em 1933, a fim de financiar seus estudos. Em 1934, passa a lecionar português, latim e literatura no ensino técnico secundário da prefeitura, função que exerce até 1946. Licencia-se em letras clássicas em 1942 pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Após dois anos de ensino de português no Uruguai, a serviço da Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, entre 1943 e 1945, ingressa, por concurso, na carreira diplomática. Passa por postos em Genebra, República Dominicana, Grécia, Estados Unidos e Ruanda, realizando atividades na Organização das Nações Unidas (ONU). As viagens são interrompidas entre 1957 e 1960, quando atua no Brasil como assessor de documentação do presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek (1902-1976), entre 1956 e 1960. Torna-se membro da Comissão Machado de Assis desde sua criação, em 1958, consolidando-se como um dos principais teóricos brasileiros da ecdótica, ciência que busca estabelecer o texto original de um autor, por meio da comparação de diferentes versões originais. Em razão de seu declarado esquerdismo, é afastado do Itamaraty em 1964, após o golpe militar. Atua, então, como editorialista do Correio da Manhã e dedica-se à primeira tradução para o português de Ulisses, do escritor irlandês James Joyce (1882-1941), publicada em 1970. Inicia seu trabalho no mercado editorial participando da edição dos dicionários Barsa de línguas inglesa e portuguesa, Koogan-Larousse e Webster's, e da enciclopédia Mirador. Ingressa na Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando a cadeira número 17 a partir de 1971 - nessa instituição, organiza o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Nos anos 1980, integra a Comissão para o Estabelecimento de Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino e aprendizagem da língua portuguesa, e dá início à elaboração de um dicionário, interrompida em 1992 por falta de financiamento; o projeto é retomado cinco anos depois, em 1997, com a fundação do Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia. Em 1985, participa da reorganização do Partido Socialista Brasileiro (PSB), posto na ilegalidade em 1965 pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5). Representa o Brasil na comissão que elabora o projeto de unificação ortográfica da língua portuguesa em Lisboa, em 1990. É, em 1993, nomeado ministro da Cultura do governo Itamar Franco. Morre em 1999, em decorrência de pneumonia, um ano antes da publicação do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ao qual até então se dedica.
Análise
São dois os principais projetos de Antônio Houaiss: elaborar um dicionário da língua portuguesa que contasse com os mais numerosos e detalhados verbetes e unificar a língua portuguesa. Embora seus esforços tenham surtido efeito em ambos os casos, o filólogo morre antes que pudesse testemunhá-los.
Houaiss é o principal defensor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor no Brasil desde janeiro de 2009, tendo representado o país na comissão responsável pela elaboração dos termos da unificação ortográfica. Credita a necessidade da reforma a uma estratégia política, mais do que à dificuldade criada pela existência de duas grafias oficiais da língua, que acarreta "problemas na redação de documentos em tratações internacionais e na publicação de obras de interesse público".
Em Sugestões para uma Política da Língua, de 1960, o autor defende a "posição segura [da língua portuguesa] entre as grandes línguas futuras da humanidade", diante de um cenário em que parece tender, pelo próprio "imperativo da dinâmica linguística humana" a "um mundo só". As razões para a crença de que o português pudesse se tornar a língua dominante, argumenta, estariam no crescimento exponencial da população de países lusófanos e na "valorização muito expressiva do conteúdo das nossas obras literárias".
Argumento parecido surge em 1985, em O Português no Brasil, mas em chave mais claramente humanista. Houaiss defende o estabelecimento de uma "língua comum" para um melhor desenvolvimento do convívio humano e volta a sustentar o papel estratégico desempenhado pelo português. Nesse sentido, tornam-se ainda mais relevantes a alfabetização e a escolarização de todo o país, sendo este o caminho para que a nação se torne de fato autônoma, capaz de manter seus saberes adquiridos e acumulados.
Na elaboração do dicionário, Houaiss trabalha a partir de 1986, interrompendo as atividades em 1992 por falta de recursos e retomando-as em 1997, após a criação do Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia. Seu projeto se fundamenta em três diretrizes básicas: a datação lexical, ou seja, a indicação do ano ou século em que o vocábulo se registra pela primeira vez na língua; a análise morfológica dos termos (a história e o desenvolvimento de prefixos, sufixos, desinências, terminações e demais elementos de composição); e as definições etimológicas. A obra é concluída pelo instituto em 2000, um ano após sua morte.
Sendo um dos integrantes da terceira geração de linguistas e filólogos do Brasil, ao lado de Joaquim Mattoso Câmara Junior, Celso Cunha (1917-1989), Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989) e Segismundo Spina (1921), entre outros, Houaiss é, embora, considerado "antigramatical" - ou, ao menos, pouco afeito a formalismos gramaticais. É o que se nota em uma passagem de Crítica Avulsa (1960): "[...] o que se está verificando entre nós - de longa data e por razões que se enxertam na nossa condição de país subdesenvolvido e semicolonial - é que a nomenclatura gramatical, em lugar de ser ancilar e auxiliar da aquisição da linguagem, é um obstáculo para isso".
Não apenas a preocupação com os destinos do país se verifica em sua trajetória. Estudioso da língua e da linguagem, Houaiss encarrega-se de mostrá-las como caminho para o desenvolvimento do sujeito: "A hominização do homem se faz em grau crescente na medida em que este se assenhoreia da linguagem verbal", escreve, também em Crítica Avulsa.
Assim é que também a crítica literária desse polígrafo não se contenta em considerar as obras avaliadas como problemas de linguagem. A respeito de Augusto dos Anjos (1884-1914), escreve: "As dificuldades materiais de sua vida, a luta pelo bem-estar da família, os reveses e as incompreensões sofridas, tudo precipitou, nesse autodidata que acumulou saberes de um plano cognitivo para uso noutro plano expressional, a originalidade de sua cosmovisão e de sua poesia, cuja parte formal, abstraído o vocabulário, poucas inovações apresenta deliberadamente". É após essas considerações, que levam em conta a vivência do poeta, que Houaiss passa a discutir os procedimentos adotados nos versos.
O trecho selecionado é parte da introdução a Augusto dos Anjos - Poesia, por Antônio Houaiss, em que o estudioso estabelece o que pode ser considerado, diante de diferentes versões, o texto original, ou o mais próximo dele. Também nesse terreno, o da ecdótica, se destaca o filólogo, especialmente a partir de 1958, quando se cria a Comissão Machado de Assis - justamente para estabelecer o texto do autor brasileiro, num trabalho que se torna referência para as edições seguintes. Sendo um dos membros desse grupo de trabalho, Houaiss escreve introdução filológica às Memórias Póstumas de Brás Cubas, tornando-se referência na crítica textual.
Em 1970, publica a tradução de Ulisses, do escritor irlandês James Joyce, à qual se dedica por sete anos. Por se tratar da primeira tradução realizada para o português, sua importância é reconhecida por todos os profissionais da área. O êxito na tarefa, porém, é motivo de controvérsias. Alguns críticos veem seu trabalho de modo elitista e pouco fiel à linguagem oral empregada no original. Outros lhe reconhecem a importância, opinião que pode ser sintetizada na consideração de Haroldo de Campos (1929-2003): sua tradução "foi elaborada dentro de uma tradição radical, que recupera para o português os efeitos de linguagem típicos de Joyce e da língua inglesa".
Fontes de pesquisa 7
- ANJOS, Augusto dos. Augusto dos Anjos: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1960.
- ANTÔNIO Houaiss morre aos 83 no Rio: Repercussão. Folha de S.Paulo, São Paulo, 08 de março de 1999. Caderno Brasil. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc08039913.htm >. Acesso em: 17 nov. 2009. Cf. Errata publicada a 11 mar. 1999.
- DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa - versão online. "Sobre este dicionário". Disponível em: < http://houaiss.uol.com.br/gramatica.jhtm >. Acesso em: 17 de novembro de 2009.
- HOUAISS, Antônio. Crítica avulsa. Salvador: Universidade da Bahia, 1960.
- HOUAISS, Antônio. Sugestões para uma política da língua. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960.
- MARIZ, Vasco (org.). Antônio Houaiss: uma vida. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
- MARTINS, Marília (org.). 3 Antônios e 1 Jobim: histórias de uma geração. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
Como citar
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ANTÔNIO Houaiss.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa14496/antonio-houaiss. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7