Rodolfo Caesar
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Biografia
Rodolfo Caesar (Rio de Janeiro RJ 1950). Compositor, intérprete de música eletroacústica, educador e pesquisador. Trava contato com a música aos 19 anos, depois de abandonar a faculdade de economia e ingressar no curso de composição e regência no Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (IVL/Unirio). Assiste a aulas com Marlene Fernandes, Reginaldo Carvalho e Bohumil Med, que se torna seu professor de trompa pelo período em que toca esse instrumento (até 1972). Participa das manifestações artísticas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) até a tomada do instituto no qual estuda pelos militares, em 1972. Nesse ano, desiludido com a situação política, parte para a Alemanha para estudar ioga e botânica. Dois meses depois, muda-se para a França. Motivado pela encomenda de uma trilha sonora, em 1973, faz o curso do Groupe de Recherches Musicales (GRM)/Conservatório de Paris. Estuda com Pierre Schaeffer, compõe suas primeiras peças eletroacústicas (Curare I, Les Deux Saisons e Tutti Frutti) e entra em contato com músicos que influenciam particularmente sua estética (Bernard Parmegiani, François Bayle e Luc Ferrari). Em 1976, retorna ao Brasil e gradua-se pela Unirio, em 1978, produzindo, entre 1976 e 1977, dois programas de rádio: Música Eletroacústica e Música Perplexa. Na rádio termina a última peça que integra seu primeiro disco independente, A Arte dos Sons (1978).
Em 1980, realiza especialização em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e torna-se, na mesma época, um dos fundadores do Estúdio da Glória (1981), onde compõe e leciona até 1988. Retorna à França, em 1983, para compor a primeira obra eletroacústica brasileira realizada em computador, Mosaic Blues, encomenda do INA/GRM. Entre 1985 e 1988, ministra aulas na Universidade Estácio de Sá e, entre 1984 e 1996, no Conservatório Brasileiro de Música. Parte para a Inglaterra em 1988, e lá vive até 1994, para realizar doutorado com Denis Smalley na Universidade de East Anglia (1992), como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É laureado com o prêmio Composer's Desktop Project/University of Keele, em 1989, e no mesmo ano conquista menção no Concours de Composition Acousmatique Noroit, na França. Recebe três vezes menção do Concours International de Musique et d´Art Sonore Electroacoustique de Bourges (1990, 1991 e 2004); a última delas pela peça 3 Clips, que lhe vale o Prêmio Sergio Motta nesse mesmo ano. Obtém várias encomendas, como as do Arts Council of Great Britain (1993) e do Sonic Arts Network/Arts Council of England (1994).
A partir de 1994, torna-se professor da UFRJ, leciona composição de música eletroacústica e atua como pesquisador do CNPq, e, até 2010, como coordenador do Laboratório de Música e Tecnologia (LaMuT), do qual é um dos fundadores. Nessa instituição coordena a elaboração e a implementação dos sites do LaMuT e do Sussurro: Biblioteca Musical Digital (documentação de músicas experimentais). Suas peças são difundidas nas Américas e na Europa, destacando-se a participação em Cycle Acousmatique, em Paris; Akustika Festival, em Viena; e Fylkingen Festival, em Estocolmo. Em 1996, produz dois CDs de música eletroacústica: O Estúdio da Glória e Música Eletroacústica Brasileira. Compõe, em 2003, a trilha musical da peça Pernas Vazias, de Regina Miranda. Atua como coordenador, produtor e intérprete em concertos no Brasil e no exterior, além de colaborar com artistas de outras áreas, que resultam trabalhos para dança (Eliana Carneiro e Graciela Figueroa), vídeo, filme (Virgínia Flores), teatro (Ângela L. Lopes) e instalações de artes plásticas (Milton Machado). Publica seu primeiro livro, Círculos Ceifados, em 2008. Um ano depois, recebe o prêmio de melhor concepção sonora do Festival de Cinema de Arquivo. É membro do corpo editorial de periódicos como Música Hodie (2007), Revista CM‑UFPel (desde 2008) e Revista Ciberlegenda (2011).
Comentário Crítico
Rodolfo Caesar pertence à segunda geração brasileira de compositores eletroacústicos, posterior à de pioneiros como Jorge Antunes e Reginaldo Carvalho. Curiosamente, seu contato com a música eletroacústica não se dá com a convivência com Carvalho no Instituto Villa-Lobos, mas diretamente no Groupe de Recherches Musicales (GRM), com Pierre Schaeffer em 1973 (com quem Carvalho trabalha). Seus preceitos musicais são influenciados, por consequência, pela visão schaefferiana da utilização do som complexo e por seu conceito de escuta reduzida.1 Dessa forma, em vez de basear-se na categorização do som dissociado em parâmetros (altura, duração, intensidade e timbre), Caesar toma como base o som per se como entidade indivisível.2
Sua compreensão da música, no entanto, ultrapassa o conceito estático de escuta reduzida de Schaeffer, acoplando a esse a ideia da "espectromorfologia", elaborada por Denis Smalley. Desenvolvendo uma teoria pós-schaefferiana, ele introduz a questão do tempo no estudo do som complexo e constrói uma tipologia de seu desenvolvimento dinâmico. Posteriormente, propõe um espaço de criação que considera também a manifestação e a afetividade do som, advindos da distância acústica entre a fonte sonora e o ouvinte (um som próximo e com pouca intensidade pode ser ouvido como um segredo, por exemplo).
A estética musical de Caesar parte dessas premissas e deriva para o entendimento da afetividade do som como um elemento intrínseco ao homem, o do reconhecimento das fontes sonoras, restituindo-lhe o caráter referencial. Desse modo, sua escrita se encontra na suspensão da fronteira entre "som" (ruído) e "música" (acepção tradicional), e entre referência e abstração. Isso permite ao compositor criar relações musicais com base no intercâmbio perceptivo entre três mundos distintos: o ligado à escuta reduzida, o "não reduzido" de referências e de indícios, e um intermediário, o da extrapolação musical de sonoridades associadas à vida (bio-orgânicos). Assim, os "eventos"3 que utiliza são, na maioria das vezes, carregados de significado semântico. Sua utilização formal segue, no entanto, de maneira ampliada, os preceitos da escuta reduzida de Schaeffer. Um exemplo disso pode ser ouvido em Bioacústica, em que apresenta sons cotidianos de pequenos animais (sapos, grilos, cigarras), da natureza (chuva), de homens (crianças, citação da Invenção 1 a Duas Vozes, de Bach)4 e de máquinas (motocicleta), num estilo que num primeiro momento pode ser confundido com uma "paisagem sonora",5 impressão que se esvai durante a audição da peça, devido à utilização formal do material sonoro. Em seu decorrer, o coaxar dos "sapos" se aproxima sonoramente da Invenção de Bach, tomando para si suas alturas, ritmos, entre outros, gerando um contraponto entre esses dois universos e levando, no fim da peça, à aparição de uma melodia de Bach entoada por "sapos". Dessa maneira, a entidade "sapo" perde seu caráter de animal para tornar-se timbre modulado por uma melodia dada. Outra derivação de Caesar da teoria de Smalley pode ser encontrada em seu próprio conceito formal, em que o compositor explora a forma como direcionamento de uma força energética ou dinâmica, por ele denominado "dínamo", uma noção extraída da observação de fenômenos naturais, sobretudo no que concerne a suas geometrias e fluxos temporais.
Esses dois elementos (da matéria e da forma) unem-se no conceito de bioacústica, criado por Caesar, que privilegia "a pesquisa de processos dinâmicos" inspirados em elementos da natureza, como "insetos noturnos [...], ventanias e outros fenômenos comumente chamados 'naturais' ".6 Essa compreensão holística do som complexo, que acopla a si sua referencialidade e organicidade, se diferencia, no entanto, da ideia de "paisagem sonora", na qual elementos cotidianos são apresentados de forma narrativa. No caso de Caesar, quando se ouve um som de chuva, por exemplo, ele é pensado como um processo natural de evolução energética (dínamo). Nesse caso, a experiência da precipitação de um líquido como um tipo de estrutura musical: a música "chove". Da mesma maneira, no exemplo evocado anteriormente, o sapo "sapeia". Desse modo, a referência natural, apropriada por um dínamo, gera uma abstração. Essa visão espalha-se em várias facetas de sua escrita. Na espacialização, por exemplo, o compositor explora a associação de referências do som no espaço (cochicho, som em movimento) às abstratas (criadas num espaço eletroacústico). Um exemplo disso pode ser encontrado em Volta Redonda, em que o dínamo é concebido como uma espiral. Segundo o compositor "uma espiral também poderia ser abordada como uma 'estrutura', ou até mesmo como um esquema gráfico, mas o que importa aqui é a distribuição de energia que orienta o desenvolvimento da peça com esta forma".7 Estruturalmente, pode-se elencar o "ponto" como a menor unidade para a produção de um dínamo. Caesar fornece um exemplo: o seu agrupamento confere ao evento "ponto" um segundo modo, o ritmo; a aceleração da velocidade de iteração desses grupos, um terceiro, a fieira (linhas granulosas); de forma simultânea, atingem ainda um quarto modo, a nuvem de pontos, ritmos ou fieiras, ou ainda, enxames.8 Esses elementos podem, em seguida, ser explorados tanto como alturas quanto como timbres ou na intersecção de ambos. Isso porque, na sua música - que possui subliminarmente a maleabilidade da linguagem dos computadores (que codifica a matéria em dados facilmente metamorfoseáveis) -, todos os elementos são permeáveis, maleáveis, suscetíveis e se manifestam em diferentes dimensões que se interferem mutuamente a fim de criar uma só entidade: o som, seu único guia.
Notas
1 Conceito que norteia a teoria de Pierre Schaeffer defendida em seu Tratado dos Objetos Musicais (1966). Refere-se a uma atitude que consiste em escutar um som pelas suas qualidades internas, descontextualizada de sua causalidade, de toda referência exterior e da mensagem e do sentido que ele possa suscitar.
2 Critérios que acordam com a teoria de Schaeffer, que descreve o som, transformado em "objeto sonoro", com um vocabulário adaptado a seus atributos tipológicos e morfológicos.
3 Que se sobrepõe ao termo "motivo", designando objetos que podem ser tanto "sonoros" (mais próximos ao ruído) quanto "musicais" (em sua acepção tradicional).
4 Johann Sebastian Bach (1685 - 1750), compositor alemão.
5 Traduzido do termo soundscape, cunhado pelo compositor Raymond Schaefer (1933), refere-se à composição musical que utiliza sons referenciais utilizados de forma narrativa.
6 CAESAR, Rodolfo. Textos publicados e pesquisas de Rodolfo Caesar.
7 CAESAR, Rodolfo. A volta de Volta Redonda.
8 CAESAR, Rodolfo. Círculos ceifados - mistério e revelação: a produção de ritmos e dínamos.
Espetáculos 4
Exposições 4
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29/8/2003 - 27/9/2003
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17/11/2004 - 11/12/2004
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1/8/2005 - 28/8/2005
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28/7/2006 - 30/7/2006
Fontes de pesquisa 20
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RODOLFO Caesar.
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