Fagner
Texto
Biografia
Raimundo Fagner Cândido Lopes (Orós, CE, 1949).1 Compositor, cantor, instrumentista, produtor musical. Tem o primeiro contato com a música em casa, por meio dos lamentos árabes cantados pelo pai, libanês, das serestas do irmão Fares e, pelo rádio, do violonista Evaldo Gouveia. Aprende a tocar guitarra no Colégio Salesiano da Piedade, e cria o grupo de rock Os Magnatas.
Em 1968 é premiado como melhor intérprete no 4º Festival de Música Popular do Ceará, defendendo o samba Nada Sou, de sua autoria em parceria com Marcus Francisco. Viaja para a Argentina com o grupo Capela Cistina,2 em 1969. Inicia, em 1970, o curso de arquitetura na Universidade de Brasília (UnB), interrompido ao optar pela carreira musical. Participa do Festival de Música Jovem do Centro Estudantil da UnB, em 1971, recebendo o primeiro lugar com a canção Mucuripe (parceria com Belchior), o sexto, com Manera Fru-Fru (com Ricardo Bezerra), e o prêmio especial do júri de melhor intérprete e arranjo, com o rock Cavalo Ferro (idem).
Registra Mucuripe no Disco de Bolso do Pasquim, tendo Caetano Veloso na outra face do disco, com A Volta da Asa Branca, em 1972. No mesmo ano, a cantora Elis Regina grava a canção - que recebe versão do cantor Roberto Carlos, em 1975 -, e canta o samba-rock Noves Fora (Fagner/Belchior), regravado pelo cantor Wilson Simonal, no show É Elis. Fagner participa do 7º Festival Internacional da Canção com Quatro Graus (com Dedé Evangelista), lançado em compacto duplo com arranjos de Ivan Lins, junto com as músicas Fim do Mundo (com Fausto Nilo), Cavalo Ferro e Amém, Amém. Em 1973 lança seu primeiro LP, Manera Fru-Fru, Manera, com a produção de Roberto Menescal e participação de Nara Leão, Naná Vasconcelos e Bruce Henry. O LP traz a canção Canteiros, acusada de plágio do poema Marcha, de Cecília Meireles, pelas filhas da poetisa. Interpreta a valsa Joana Francesa, de Chico Buarque, na trilha do filme homônimo de Cacá Diegues. Lança em 1975 um compacto com o cantor Ney Matogrosso e o disco Ave Noturna, pela gravadora Continental. No ano seguinte, pela CBS, grava o LP Raimundo Fagner. Interpreta canção vencedora do Festival da Música Popular Brasileira de 1979, realizado pela TV Tupi, Quem Me Levará Sou Eu, de Dominguinhos e Manduka.
Produz e grava na Espanha o LP Traduzir-se (1981), com poemas de Ferreira Gullar, Florbela Espanca, García Lorca e Rafael Alberti, e interpretação de Mercedes Sosa, Manzanita, Joan Manoel Serrat e Camarón de la Isla - com quem se apresenta na Copa do Mundo de 1982. Em 1983 lança o LP Homenagem a Picasso, com poemas de Rafael Alberti dedicados ao pintor, e melodias compostas pelo próprio Fagner, Paco de Lucia e Ricardo Pachón. Um ano depois, lança o primeiro de dois álbuns em parceria com Luiz Gonzaga (respectivamente, 1984 e 1988), e, em 1998, o CD Amigos e Canções, com participação de Ângela Maria, Chico Buarque, Ivan Lins, Joanna, Luiz Melodia, Milton Nascimento, Nana Caymmi, Ney Matogrosso. Uma Canção no Rádio é o trabalho realizado em 2009 e reúne parceiros antigos e recentes, como Fausto Nilo (A Voz do Silêncio) e Zeca Baleiro (com quem grava um disco em 2003), na faixa-título.
Comentário crítico
Autor de uma obra bastante eclética, Raimundo Fagner traz em suas composições fragmentos de diferentes influências: da música de Luiz Gonzaga à guitarra elétrica da jovem guarda e da tropicália; dos sambas e canções românticas ouvidos no rádio em sua infância, na voz de intérpretes como Nelson Gonçalves, Francisco Alves e Orlando Silva, ao rock dos Beatles, passando pela poesia do conterrâneo Patativa do Assaré.
Se seus primeiros contatos com a música se dão no âmbito familiar com o pai e o irmão e pelo rádio, o ambiente universitário, a boêmia fortalezense, os festivais e a televisão ajudam o compositor a dar forma a sua produção musical, entrando em contato com jovens que, na década de 1960, vivenciam movimentos artísticos nascidos no Centro Popular de Cultura de Fortaleza. Ao ingressar na Universidade de Brasília (UnB), o compositor passa por um momento decisivo da carreira, sendo encorajado por pessoas de diversos pontos do Brasil a divulgar seu trabalho no Sudeste. Essa experiência propicia não só a popularização, mas o amadurecimento de sua obra, permitindo desenvolver composições bastante arrojadas, aliadas à sua maneira peculiar de interpretar, com um canto que remete tanto ao canto dos violeiros nordestinos como às influências árabes de sua família.
Fagner e outros artistas, como Belchior, Ednardo, Rodger Rogério e Téti, deslocam-se para o eixo Rio-São Paulo, em busca de projeção nacional de seus trabalhos, onde são reconhecidos como "Pessoal do Ceará", sobretudo a partir do lançamento do disco Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem (1973) - do qual Fagner não participa por já haver fechado contrato com outra gravadora. No entanto, é equivocado reconhecê-los como um grupo coeso, com um projeto em comum, tal como os Novos Baianos, pois esses músicos apresentam perfis muito distintos e poucas parcerias entre si. Segundo Fagner, "a melhor imagem do grupo Pessoal do Ceará quem tem é o poeta Brandão, que diz que a gente é tão de costa um pro outro que um dia vai se encontrar porque a Terra é redonda" (em A Música Brasileira..., 2000, faixa 4, Mucuripe). Um dos poucos traços que aproximam esses compositores são as letras com textos densos - como é o caso, por exemplo, de algumas composições de Fagner, em que se encontram versos do citado poema de Cecília Meireles, do poeta Patativa do Assaré, em Sina (1972) e Vaca Estrela e Boi Fubá (1980) e do poeta Ferreira Gullar.
A despeito disso, Fagner é premiado diversas vezes por músicas que não têm perfil de festival, o que destoa de sua produção subsequente, a partir dos anos 1980, no LP A Mesma Pessoa, de 1984, quando adere os arranjos de teclado, compõe e interpreta várias letras sentimentais. O próprio compositor reconhece essas facetas de sua imagem: "Hoje eu sou brega, antes eu era elite, quer dizer, eu já passei por tudo..." (em A Música Brasileira..., faixa 7, Revelação). As canções consideradas bregas dão mair projeção à obra de Fagner, bem como a inserção em trilhas de novela. As gravações românticas mais conhecidas de Fagner são Borbulhas de Amor (Tenho um Coração/Borbujas de Amor), de 1991, do compositor dominicano Juan Luis Guerra e versão em português de Ferreira Gullar, e Deslizes (1987), de Michael Sullivan e Paulo Massadas. Outro sucesso é o baião ligeiro Pedras que Cantam, do disco homônimo (1991), de Dominguinhos e Fausto Nilo, tema de abertura da telenovela Pedra sobre Pedra, transmitida pela TV Globo. A respeito da escolha do repertório, Fagner afirma que não tem nenhum preconceito, procurando dialogar com seu público. Com essa visão, ele chega à direção do selo Epic da gravadora CBS, trazendo para o mercado fonográfico artistas como Amelinha, Zé Ramalho, Cirino, Manassés, Petrúcio Maia e outros.
Uma música que simboliza a trajetória do compositor é Traduzir-se (1981), de sua autoria, sobre um poema de Ferreira Gullar, cuja letra diz: "Uma parte de mim é todo mundo / Outra parte é ninguém, fundo sem fundo / (...) / Uma parte de mim é permanente / Outra parte se sabe de repente / Uma parte de mim é só vertigem / Outra parte linguagem / Traduzir uma parte na outra parte / Que é uma questão de vida e morte / Será arte?". Para essa poesia, que assinala a maleabilidade de sua personalidade musical, o compositor constrói uma melodia que traduz diversas culturas que permeiam sua formação, por meio de arranjos na guitarra espanhola e na maneira de cantar, visceral como os lamentos árabes que ouve na infância. As imagens contidas no encarte do LP homônimo demonstram essas referências culturais, através de um mosaico composto de fotografias de homens e mulheres anônimos com trajes muçulmanos, de touradas e dos artistas que participam da concepção do disco.
Notas
1 Na maioria das fontes e no site do artista consta a cidade de Orós, no Ceará como o local de seu nascimento, porém, Fagner declara em entrevistas ter nascido em Fortaleza, mas muda posteriormente seu registro para a cidade de Orós. RAIMUNDO FAGNER. Entrevista do cantor a Valdo Siqueira. Programa Nomes do Nordeste. 1 DVD. Centro Cultural Banco do Nordeste, 9 mai. 2006. Duração: 55 min. (Coleção Nomes do Nordeste, nº 24)
2 Capela Cistina é um grupo que surge como forma de dar continuidade às ideias do Grupo Universitário de Teatro e Artes (Gruta), extinto pelo AI-5. Como não há nenhum estatuto ou sede, a Polícia Federal não consegue identificar seus integrantes, que realizam pequenas exposições e reuniões, principalmente no bar Balão Vermelho.
Obras 7
Links relacionados 2
Fontes de pesquisa 6
- A MÚSICA brasileira deste século por seus autores e intérpretes. Raimundo Fagner. São Paulo: SESC, 2000. 1 CD de música.
- CASTRO, Wagner. No Tom da Canção Cearense: Do rádio e TV, dos lares e bares na era dos festivais (1963-1979). Fortaleza: Edições UFC, 2008.
- FAGNER. Site oficial do artista. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.fagner.com.br/. Acesso em: 11 nov. 2011.
- Fagner (oficial). site do Artista. Disponível em: http://www.fagner.com.br/ Acessado em: 26/06/2012. não catalogada
- GUEDES, Jordianne Moreira. "Pessoal do Ceará": Processos de hibridação cultural em seu fazer musical (1973 a 1981). In: Anais do XII Encontro Estadual de História do Ceará. Ceará: ANPUH-CE, 21 a 25 de junho de 2010. Disponível em: http://www.ce.anpuh.org/download/anais_2010_pdf/st11/Artigo%20Jordianne.pdf. Acesso em: 30 jul. 2011.
- ROGÉRIO, Pedro. Pessoal do Ceará: formação de um campo e de um habitus musical na década de 1970. 2006. 140 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 2006. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/3147/1/2006_Dis_PRogerio.pdf.
Como citar
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FAGNER.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12107/fagner. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7