Luiz Carlos Felizardo

Porto Alegre RS, 1987
Luiz Carlos Felizardo
Matriz - negativo
Texto
Biografia
Luiz Carlos Rosa Felizardo (Porto Alegre RS 1949). Fotógrafo. Entre 1968 e 1972, enquanto estuda na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), inicia carreira profissional nas áreas de fotografia publicitária e industrial. Em seguida, passa a documentar a paisagem urbana e natural do Rio Grande do Sul com câmeras de grande formato, que lhe permite criar imagens detalhadas com ampla gama de tons de cinza. Como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Comissão Fulbright, vive, de 1984 a 1985, na cidade de Prescott, Estados Unidos, onde desenvolve ensaios fotográficos, com supervisão do fotógrafo ítalo-americano Frederick Sommer (1905-1999). De volta ao Brasil, expõe esses trabalhos no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs), Porto Alegre. Realiza cursos e palestras sobre técnica e linguagem fotográfica em diversos Estados brasileiros entre 1986 e 1990. Recebe Bolsa da Fundação Vitae, em 1990, para desenvolver uma pesquisa sobre o período em que Sommer vive no Rio de Janeiro, de 1916 a 1930. Os trabalhos de Felizardo integram diversas coleções de instituições nacionais e internacionais. Em 2000, publica o livro O Relógio de Ver, com ensaios críticos sobre fotografia feitos entre 1987 e 1999. Desde 2001, é colunista da revista Aplauso, editada em Porto Alegre.
Comentário Crítico
A obra de Luiz Carlos Felizardo é sobretudo conseqüência de seu interesse pelo potencial estético da fotografia em preto-e-branco. O artista elege seus assuntos a partir das qualidades tonais e compositivas dos objetos e das cenas. Com o intuito de obter o máximo de detalhes e profundidade de foco, muitas vezes trabalha com câmeras de grande formato e diafragmas fechados. As imagens chamam a atenção pela nitidez e pelo apuro técnico.
Felizardo costuma dizer que fotografar é conferir importância às coisas.1 Ele se volta freqüentemente para aquilo que é esquecido ou abandonado pelo homem: o muro descascado, a lata amassada e enferrujada, a cerca quebrada, o paletó rasgado e sujo, entulhos, pedras, galhos e paisagens quase intocadas. As fotos mostram desenhos formados não por mãos humanas, mas pela ação sucessiva da natureza. A parede repleta de limo, a pintura esmaecida, o jardim mal-cuidado, os vincos num tronco ou numa pedra são também indícios da passagem do tempo. Se, por um lado, as marcas oferecem amplas possibilidades para o registro de grafismos e texturas, por outro, atribuem aos objetos a dignidade da experiência. Seu olhar pressupõe uma aceitação do mundo como ele é, como se ao artista caiba apenas registrar a ação acumulada da umidade, do vento, da chuva e do sol.
Em diversos aspectos, seus ensaios se alinham às propostas de fotógrafos modernos como o alemão Albert Renger-Patzsch (1897-1966) e os norte-americanos Paul Strand (1890-1976) e Edward Weston (1886-1958). Para eles, nos anos 1920 e 1930, a fotografia representa um modo novo de ver o mundo. Por meio de closes e de ângulos diferenciados, consideram que seu papel é revelar a beleza de objetos que passam despercebidos antes de ser retratados pela máquina. Do mesmo modo, Felizardo opera segundo a noção de que o fotógrafo é capaz de reconhecer e desvendar o encanto de coisas que, à primeira vista, parecem insignificantes. Embora prefira os enquadramentos frontais feitos à altura dos olhos (o que o distancia de algumas vanguardas), ele explora o efeito das tomadas em primeiríssimo plano e, assim como Weston, produz tiragens reduzidas e cópias ampliadas com extremo rigor técnico. A preocupação com a natureza da fotografia denota afinidades com a idéia comum à boa parte da tradição moderna de que a arte deve voltar-se para suas próprias especificidades.
No artigo o O Heroísmo da Visão, escrito na década de 1970, a ensaísta norte-americana Susan Sontag argumenta que a câmera promove um embelezamento do mundo.2 Nesse sentido, a obra de Felizardo parece investir na noção platônica de que o belo é também bom e verdadeiro. Ele elimina a hierarquia entre as coisas conferindo beleza a todas elas. Além disso, pela ausência de altos-contrastes e devido à predominância de meios-tons, as situações parecem banhadas pela mesma luz, uma espécie de mormaço que homogeneíza as fotos à revelia de seus referentes.
Seu olhar é minucioso e descritivo. Ver é uma forma de conhecimento, mas isso não significa que as fotos identifiquem um lugar ou uma época específica. Apesar de enfocarem quase sempre o Rio Grande do Sul, elas apresentam características que as aproximam de abstrações. Nas paisagens, a monotonia é quebrada por manchas luminosas que criam ritmos e conduzem o olhar. Algumas texturas remetem a pinceladas e, por isso, a mata densa pode lembrar um mar revolto. Às vezes, mais que mostrar folhas e galhos, as imagens sugerem noções de movimento, adensamento, quietude ou agitação.
O interesse pela abstração se manifesta também em experiências realizadas em laboratório, onde Felizardo constrói os negativos desenhando com nanquim sobre papel celofane. Nesses trabalhos, a subjetividade não se mostra por meio das escolhas propriamente fotográficas (o tema, o filme, a lente, o ângulo de visão), mas pela evidência dos gestos. Ao contrário das fotos feitas com a máquina fotográfica, os resultados têm alto-contraste e se assemelham a pinturas ou monotipias de orientação informal. Mesmo assim, percebe-se que o artista permanece atento à estrutura e ao equilíbrio da imagem.
Notas
1PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira. São Paulo: Editora SENAC; Estação Liberdade, 2000, p. 144.
2SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 101.
Obras 10
Benedito Novo SC
Casa Godoy, Porto Alegre RS
Cemitério, Santa Bárbara do Sul RS
Esporas, Bagé RS
Garibaldi RS
Exposições 93
Fontes de pesquisa 16
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- PAIVA, Joaquim (org.). Visões e alumbramentos: fotografia brasileira contemporânea na coleção Joaquim Paiva. Versão em inglês Katica Szabó, Laura Ferrari. São Paulo: BrasilConnects Cultura & Ecologia, 2002.
- PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo: Estação Liberdade: Senac, 2000.
- SONTAG, Susan. Sobre fotografia.São Paulo:Companhia das Letras, 2004. 224 p., il. p&b.
- TREVISAN, Armindo. Felizardo: naturezas-vivas de um fotógrafo. Correio do Povo, Porto Alegre, 08 jun. 1980.
Como citar
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LUIZ Carlos Felizardo.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa10445/luiz-carlos-felizardo. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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