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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

A vida como ela é...

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 26.12.2016
1961
Organizada em 1961 pelo próprio autor, a coletânea A vida como ela é... reúne cem textos publicados na coluna homônima que Nelson Rodrigues (1912-1980) mantinha, desde 1951, no jornal Última Hora. Chamadas de crônicas, as narrativas não têm como matéria-prima direta as notícias, embora os enredos se assemelhem ao noticiário policial. Tais carac...

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Organizada em 1961 pelo próprio autor, a coletânea A vida como ela é... reúne cem textos publicados na coluna homônima que Nelson Rodrigues (1912-1980) mantinha, desde 1951, no jornal Última Hora. Chamadas de crônicas, as narrativas não têm como matéria-prima direta as notícias, embora os enredos se assemelhem ao noticiário policial. Tais características lhes conferem certa ambiguidade de gênero, podendo ser analisadas como contos.

Com linguagem simples e direta, própria dos textos jornalísticos, as narrativas abordam o amor, o casamento, o adultério, o crime e a morte. A ambientação é realista, quase sempre localizada no Rio de Janeiro. Os eventos descritos, transformam o extraordinário em corrente, propondo um quadro de costumes que critica a realidade ao observá-la no que tem de grotesco.

Em “Agonia”, o marido, que havia prometido à mulher não enterrá-la, é encontrado pelos vizinhos “moribundo e variando”, ao lado do corpo da companheira, já em decomposição. Em “Inferno”, a viúva que deseja proteger o filho do novo romance depara-se com a situação inversa: à custa do suicídio do menino, a relação se concretiza, unindo na culpa os amantes. De modo exemplar, nesses dois casos, a narrativa se desenvolve esgotando o recurso inicial: a fascinação da mulher pela morte, no primeiro caso, e a tentativa de proteção, no segundo. O aproveitamento máximo de cada elemento é característico do autor.

Esse traço se faz notar nos enredos e nos recursos expressivos. Em “O pediatra”, que mostra Menezes lutando para conquistar a amante, o campo semântico descreve o momento de sucesso como a vitória em uma batalha: “Finalmente, após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula. Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: ‘Custou, puxa vida! [...]’”. Nessa crônica, o encaminhamento também é exemplar, pois confirma as expectativas do protagonista de modo surpreendente. Menezes se encanta pela moça porque, tendo jamais traído o marido, ela lhe parece “de uma fidelidade mórbida”. O efeito cômico aumenta na medida em que se revela o receio da moça em ceder à traição, o que intensifica o afeto do amante. A consumação da infidelidade é também a confirmação da lealdade: ao comparecer ao encontro, a mulher se diz agenciada pelo marido – “Dois mil cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços”, ela afirma. Assim, depois de variadas inversões de sentido na expectativa inicial, o que se confirma é a ideia inicial da “fidelidade mórbida”.

Algo semelhante se dá em “O escravo etíope”, em que o desejo da protagonista – “Quero um casamento de arromba!” – se cumpre de forma inesperada: em vez da pompa prometida pela união com o noivo, o escândalo do casamento secreto com o amante, um “negro gigantesco”, motorista de ônibus. Obedecendo a esse tipo de peripécia, as soluções para os contos parecem pouco realistas, por vezes artificiais.

Os exemplos ilustram a razão pela qual Nelson Rodrigues foi acusado de atacar as famílias brasileiras: fixando seu universo ficcional na burguesia, denunciava-lhe os preconceitos, o conservadorismo e os tabus. Os temas são semelhantes aos de suas peças, embora os procedimentos literários difiram. Considerado um dramaturgo revolucionário, o autor manejou a narrativa curta de modo tradicional, simplificando os recursos expressivos. O o jogo de inversões resulta em textos de estrutura binária, sem nuanças na caracterização e nas reações das personagens. Em “Mausoléu”, por exemplo, um viúvo manipulado pelo sócio passa da veneração pela esposa morta e pura ao ódio contra o seu caráter sujo, porque traidor.

Representando a faceta mais popular de Nelson Rodrigues, A vida como ela é... inclui textos famosos, como “A dama do lotação”, que tem adaptações variadas para o cinema e o teatro, e origina os personagens das peças A Falecida (1953), Boca de Ouro (1959) e Beijo no Asfalto (1960).

A redação da coluna inicia-se num momento em que o autor está distanciado do público, e representa, em sua trajetória, a ligação entre o sucesso de Vestido de Noiva, encenada em 1943, e o das tragédias cariocas, levadas ao palco na década de 1960.

O estilo das crônicas se faz sentir sobretudo nos diálogos, que servem à caracterização das personagens, à representação de seus ânimos, e aprofundam a ambientação. As expressões “Tira o cavalo da chuva”, “Que diabo!”, “Isola!”, “Cruz-credo” reproduzem a oralidade da época. Além disso, a relação com o Rio de Janeiro é um dos motivos para a popularidade das narrativas. Conforme escreve Ruy Castro (1948), biógrafo de Nelson Rodrigues, as crônicas retratam “um fascinante elenco de jovens desempregados, comerciários e ‘barnabés’, tendo como cenário a Zona Norte, onde eles viviam, o Centro, onde trabalhavam; e, esporadicamente, a Zona Sul, aonde só iam para prevaricar”.

Ainda que veja com reservas A vida como ela é..., a crítica reconhece a força com que representou os conflitos no interior da família de classe média, e a abertura para a literatura brasileira, com a linguagem direta e o evento chocante. Como resume os críticos literários Berta Waldman e Carlos Vogt (1943), se a ação violenta, sobretudo das peças para teatro, se faz sentir na dramaturgia de Plínio Marcos (1935-1999), na narrativa de Dalton Trevisan (1925) se nota o “estilo enxuto” e o “gosto cafajeste” da narração de Nelson Rodrigues.

Fontes de pesquisa 6

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  • CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • MANFRINI, Bianca Ribeiro. Tragédia familiar: a formação do indivíduo burguês em obras literárias brasileiras do século XX. 2012. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  • MARTINS, Maria Helena Pires. Nelson Rodrigues. São Paulo: Abril Educação, 1981. (Coleção Literatura Comentada).
  • PERRONE-MOISÉS, Leyla. A fala esvaziada em Nelson Rodrigues. Literatura e Sociedade, São Paulo, n. 10, p. 58-69, 2007/2008. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/ls/article/view/23609 >. Acesso em: 16 out. 2015.
  • VOGT, Carlos; WALDMAN, Berta. Nelson Rodrigues: flor de obsessão. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • WALDMAN, Berta. Mal comparando... Nelson Rodrigues e Dalton Trevisan em cena. Portal Brasileiro de Cinema. Disponível em: < http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/nelson/ensaios/03_08.php >. Acesso em: 16 out. 2015.

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