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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

No Paiz das Amazonas

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
1922
Imigrante português, Silvino Santos (1886-1970) chega ao Brasil em 1899, com 13 anos. Ao lado do major Luiz Thomaz Reis (1878-1940), é um dos primeiros cineastas a filmar a região amazônica. Em 1920, após atuar como fotógrafo e cinegrafista, Santos conhece o comendador Joaquim Gonçalves de Araújo (1888-1976). O magnata da borracha contrata-o par...

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Imigrante português, Silvino Santos (1886-1970) chega ao Brasil em 1899, com 13 anos. Ao lado do major Luiz Thomaz Reis (1878-1940), é um dos primeiros cineastas a filmar a região amazônica. Em 1920, após atuar como fotógrafo e cinegrafista, Santos conhece o comendador Joaquim Gonçalves de Araújo (1888-1976). O magnata da borracha contrata-o para realizar um documentário sobre o desenvolvimento econômico no norte do Brasil. Com a expectativa de promover seus negócios com a exibição do filme na Exposição Internacional do Centenário de Independência do Brasil, realizada entre 1922 e 1923 no Rio de Janeiro, Araújo torna-se “produtor executivo” do primeiro longa-metragem amazônico. Financia as experiências de Silvino Santos na criação de negativos cinematográficos, alterados quimicamente para enfrentar o clima tropical.

Concentra as filmagens nos estados de Amazonas, Acre e Rondônia e apresenta um inventário da natureza, da cultura e da economia do norte brasileiro. Acompanhando uma expedição que parte da cidade portuária de Manaus, retratada como foco de progresso comercial, o cinegrafista adentra a floresta para registrar a exuberância da natureza e a ação transformadora do homem, que explora as riquezas naturais da região. Os intertítulos são escritos pelo filho de Joaquim Gonçalves de Araújo, Agesilau Araújo, que aparece nos créditos do documentário como diretor, embora não assuma essa função.

No Paiz das Amazonas é dividido em dez partes, a maioria delas dedicada às mercadorias comercializadas na região da bacia amazônica e aos meios de produção empregados para prepará-las para venda. Há blocos temáticos dedicados à borracha, à pesca, às castanhas, às madeiras e ao gado, com detalhes do processo de extração e cultivo desses produtos.

A estreia acontece em 1923, em sessão especial para o presidente da república, Arthur Bernardes (1875-1955). Na ocasião, inserido na categoria “trabalhos cinematographicos em positivos, negativos e ampliações”, o documentário é premiado com medalha de ouro pelo júri da Exposição do Centenário, prenúncio do êxito que alcança com a crítica jornalística e com o público no circuito comercial de exibição.

Tal sucesso não se explica pelo caráter propagandístico do filme. Silvino Santos vai além da encomenda institucional e realiza um filme com qualidade estética, para o qual mobiliza artifícios cinematográficos, em especial a fotografia, para celebrar a exuberância da natureza brasileira. Segundo o historiador Eduardo Morettin (1964), o filme cumpre “a expectativa depositada pelos organizadores da exposição quando da inclusão do cinema nos festejos dedicados a celebrar as virtudes do Brasil. No caso de No Paiz das Amazonas, a excelente receptividade de público e crítica indica não apenas apreço por sua qualidade técnica, mas seu sucesso em traduzir filmicamente uma leitura do Brasil proveniente do século XIX e muito representativa nas artes plásticas por figuras como Victor Meirelles, Manoel de Araújo Porto Alegre, Félix-Émile Taunay, entre outros, que trabalharam a especificidade da nação brasileira ao apontar para a submissão de nossa exuberante natureza aos desígnios da civilização”1.

Silvino Santos conta que a necessidade de deixar Portugal e se aventurar em terras brasileiras nasce, entre outros motivos, da curiosidade despertada por livros e fotografias sobre o exotismo da natureza do Brasil e o mito do Eldorado prometido. De fato, No Paiz das Amazonas evoca, no próprio título, a crença popular de que, em algum lugar da região Norte, vivem amazonas, indício da proximidade com o Eldorado. O filme flerta com lendas e fábulas, sobretudo nas cenas finais, quando mostra uma pedra com inscrições de supostas memórias de povos antigos de 600 anos atrás. Entretanto, o tema predominante do documentário é narrar, por meio de discurso nacionalista, o progresso do Brasil, em particular da Amazônia, cuja economia se sustenta pela exploração de matéria-prima abundante.

Silvino imprime ao documentário uma narrativa semelhante a de filmes de aventura. Segundo o cineasta Silvio Da-Rin (1949), em vez de acomodar-se no tom didático, o documentarista arrisca-se no gênero de viagem ou “travelogue”2, estilo comum na cinematografia dos primeiros tempos em que o espectador é “convidado” a acompanhar uma expedição. Em No Paiz das Amazonas, a narrativa parte rumo ao interior da floresta, onde a beleza de flores, preguiças e tamanduás convive com o perigo de jacarés, onças e cachoeiras. Não é sem risco que o homem na Amazônia trabalha: um grupo de jacarés surpreende o acampamento de trabalhadores em busca de alimento e, na pesca do pirarucu, a câmera registra canoas arrastadas por peixes fisgados.

O pesquisador Claudio da Costa comenta que “ordenar e regular faz parte da experiência de apropriação do imaginário da Amazônia, engendrado pela escrita de Silvino Santos. O filme de Silvino não é, portanto, um mero ‘registro histórico’ [...]. [A Amazônia apresentada no filme] faz parte de um imaginário ordenado e regulado segundo o ponto de vista do viajante em ‘busca da aventura das imagens’”3.

O documentário torna-se sucesso em várias capitais brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, onde fica em cartaz por cinco meses. Na imprensa escrita, há elogios carregados de patriotismo, com orgulho da Amazônia e da qualidade do filme. A película é considerada “monumental” e tão boa quanto os melhores filmes europeus e norte-americanos. Esse duplo enaltecimento, acrescido da adesão dos jornalistas ao discurso do progresso apresentado pelo longa-metragem, é sintetizado por comentário anônimo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, em 5 de agosto de 1923: “Viva o Brasil! O prazer é completo: nenhum só drama idiota de amor, nem uma farsa sensaborosa, nada, enfim, desses episódios imbecis que constituem a trama ordinária dos filmes cinematográficos [...] Vão ver a fita. Quem tem gosto e ama o Brasil sairá do espetáculo com a alma satisfeita e o coração dilatado”4.

Notas

1. MORETTIN, Eduardo. O cinema e a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, p. 199, jul./ dez. 2006.

2. DA-RIN, Silvio. Imagens da Amazônia no cinema das origens. In: LUNA, Rafael de (Org.). Curso de história do documentário brasileiro. Rio de Janeiro: Tela Brasilis: Cinemateca do MAM, 2006.

3. COSTA, Claudio. No paiz das amazonas: a glória da imagem realizada. Cinemais, Rio de Janeiro, n. 22, p. 99, mar./ abr. 2000.

4. O ESTADO de S. Paulo. No paiz das amazonas. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 5 ago. 1923.

Fontes de pesquisa 4

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  • COSTA, Claudio. No paiz das amazonas: a glória da imagem realizada. Cinemais, Rio de Janeiro, n. 22, mar./ abr. 2000. p. 87-104
  • DA-RIN, Silvio. Imagens da Amazônia no cinema das origens. In: LUNA, Rafael de (Org.). Curso de história do documentário brasileiro. Rio de Janeiro: Tela Brasilis: Cinemateca do MAM, 2006. p. 25-39
  • MORETTIN, Eduardo. O cinema e a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 13, jul./ dez. 2006. p. 189-201
  • O ESTADO de S.Paulo. No paiz das amazonas. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 5 ago. 1923.

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