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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

O Escorpião Escarlate

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.05.2024
1990
O Escorpião Escarlate é o terceiro longa-metragem do cineasta Ivan Cardoso (1952), com roteiro do escritor Rubens Francisco Lucchetti (1930). É inspirado em dois seriados radiofônicos de sucesso nos anos 1950: As Aventuras do Anjo, criado, produzido e protagonizado por Álvaro Aguiar (1926-1988) para a Rádio Nacional, entre 1948 e 1965; e O Escor...

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O Escorpião Escarlate é o terceiro longa-metragem do cineasta Ivan Cardoso (1952), com roteiro do escritor Rubens Francisco Lucchetti (1930). É inspirado em dois seriados radiofônicos de sucesso nos anos 1950: As Aventuras do Anjo, criado, produzido e protagonizado por Álvaro Aguiar (1926-1988) para a Rádio Nacional, entre 1948 e 1965; e O Escorpião Escarlate (1956), escrito por Lucchetti para a Rádio Clube de Ribeirão Preto. O longa continua a pesquisa de cinema popular de Ivan Cardoso1, repleta de referências à cultura de massa, ao misturar o humor das chanchadas2 com gêneros narrativos clássicos do cinema B norte-americano. Nesse caso, o policial e o mistério, em diálogo com as novelas de rádio e televisão, além de colagens de materiais de arquivo.

No filme, a radionovela As Aventuras de Anjo é um sucesso de audiência. Herson Capri (1952) interpreta Álvaro Aguiar, criador e personagem de As Aventuras de Anjo. Faz o papel do jovem milionário Anjo combatendo o crime, em especial o bando do vilão Escorpião Escarlate. A atriz Suzana Mattos interpreta a jornalista Dóris, namorada de Anjo. Ela denuncia a atuação do Escorpião, é sequestrada por ele e entregue nas mãos da sádica Madame Ming, papel de Monique Evans (1956). Cabe a Anjo salvá-la. A ouvinte Glória Campos, interpretada por Andréa Beltrão (1963), não perde um capítulo. Ao acompanhar o noticiário, percebe que crimes reais imitam os passos do Escorpião Escarlate. Tida como louca, é demitida do emprego, mas logo contratada pela rádio, onde se aproxima de seu ídolo, Álvaro Aguiar. O Escorpião persegue Glória, que consegue escapar dele. Numa luta contra Anjo, o Escorpião cai de um prédio alto. Ela, em seguida, acorda gritando numa cama de hospital onde está internada por misturar ficção com realidade.

O Escorpião Escarlate trabalha com uma narrativa farsesca policial, quase paródica, com diferentes níveis de metalinguagem e referências. Em primeira instância, Cardoso cria uma trama baseada em duas referências radiofônicas existentes e retrata-as como programas de rádio em seu filme, sem qualquer preocupação realista. Há também uma apropriação de cinejornais de Jean Manzon (1915-1990) e do Canal 100, de Carlos Niemeyer (1920-1999), remontados de forma a criar um episódio autêntico, com locução original do jornalista Cid Moreira (1927). Após a remontagem, cenas criadas para o filme anunciam que As Aventuras de Anjo será levado da rádio para o cinema. As cenas têm locução de Moreira, em preto e branco, e imitam imagens de arquivo. Na cena metalinguística, Ivan Cardoso assina o contrato para tal.

Para além do material de acervo e das referências explícitas à cultura pulp3, Ivan Cardoso constrói a história em dois planos, ligada ao trabalho com a metalinguagem. No primeiro plano, a realidade diegética, acompanha-se Álvaro Aguiar, enquanto criador e ator de As Aventuras de Anjo e outros personagens ao seu redor, e a ouvinte Glória Campos. Tais cenas são filmadas em cores. No segundo plano, a imaginação de Glória, que confunde a realidade em que vive com a ficção de As Aventuras de Anjo. O segundo plano pode ser dividido em duas camadas. Na primeira, a imaginação de Glória encontra-se no programa radiofônico, em que Cardoso filma longas cenas do seriado, em preto e branco, nas quais Glória se vê como a jornalista Dóris. Na segunda, a suposta vida real da ouvinte, em que ela identifica uma ligação entre crimes que ocorrem no Rio de Janeiro e a história radiofônica.

Após as imagens dos cinejornais e a apresentação da personagem Glória Campos, o filme introduz a radionovela. Cardoso aponta a importância que o formato tem para os mais diversos espectadores, com bastante humor. No filme todo, o cineasta mostra a recepção da radionovela pelo público em diferentes situações. Glória parece ser apenas mais uma ouvinte. O Escorpião Escarlate, porém, guia-se justamente por ela. Nos primeiros minutos de filme, a câmera se aproxima, com uma música que ajuda a fazer a transição entre o plano da realidade diegética e a imaginação. A imagem seguinte já é Glória como Dóris, dentro do seriado. Neste trecho, é possível perceber outra característica que permeia o longa, além da metalinguagem: a paródia. Cardoso dirige seus atores de modo nada naturalista, buscando caricaturas de tipos da cultura pulp dos anos 1950. Realça, assim, o aspecto cômico da narrativa. O mesmo se dá com a construção dos diálogos, a inserção da trilha musical e o trabalho da dublagem no filme, um dos temas tratados na história. Todos esses elementos ajudam a situar o filme no passado, ainda que o tom dado pelo diretor seja de farsa, por exagerar o uso dos clichês.

O Escorpião Escarlate é lançado no 18º Festival de Gramado, em agosto de 1990, no qual recebe os prêmios de melhor trilha sonora, direção de arte e cenografia. Em outubro, é exibido no 23º Festival de Brasília, sendo premiado nas categorias de melhor filme pelo júri popular, direção, montagem, trilha sonora e cenografia. O filme é realizado com apoio da Embrafilme, encarregada de distribuir o longa, porém, a empresa, junto com o Concine, é fechada pelo governo do presidente Fernando Collor de Mello (1949). Sem distribuidora e sem reserva de mercado, O Escorpião Escarlate só consegue espaço comercial três anos depois, estreando em 04 de junho de 1993 no Rio de Janeiro. Distribuído pela Riofilme, no começo da empresa, só chega aos cinemas do Rio, de Brasília e de Minas Gerais, com um público menor do que o esperado, tendo estimados 40 mil espectadores.

O filme tem recepção mista, com elogios e críticas. Na estreia, o longa recebe texto mais parcimonioso, como o de Rogério Durst, em O Globo, que destaca as cenas de ação e o uso de cinejornais no início. Afirma ele:

Nos altos, o filme mostra deliciosas cenas em preto e branco com as aventuras de Anjo. Ivan Cardoso faz as melhores cenas de luta do cinema brasileiro, com coreografias elaboradas e caricatas, e revela Herson Capri como um excepcional herói de filme de ação, simpático, ágil e vigoroso. A abertura, com velhos noticiários, é genial. (...) No saldo: não perca4.

Notas
1 O termo foi cunhado pelo jornalista Nelson Motta, no lançamento de O Segredo da Múmia (1982), como “terrir”, terror + rir, e diz respeito a esse olhar de Cardoso. Não usamos o termo aqui pois O Escorpião Escarlate não é um filme de terror.
2 O filme conta com participações especiais de Ankito, Zezé Macedo e José Lewgoy, importantes nomes das chanchadas.
3 O termo pulp diz respeito às revistas impressas em papel barato, com histórias ficcionais ligeiras sem grandes pretensões artísticas, de gêneros diversos como noir, terror, ficção científica, faroeste, entre outros, que fazem sucesso entres os anos 1920 e 1950. A cultura pulp estende-se por todas as mídias, fazendo um paralelo com esse tipo de ficção.
4 DURST, Rogério. Uma chanchada de ação. O Globo, Rio de Janeiro, 04 jun. 1993. Rio Show, p. 8.

Fontes de pesquisa 19

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  • AGUIAR, Ronaldo Conde. Almanaque da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007,. p. 97.
  • ALMEIDA, Miguel de. O Anjo contra o Escorpião. O Globo, Rio de Janeiro, 25 abr. 1988. Segundo Caderno. p. 1
  • ARAÚJO, Inácio Cineasta Ivan Cardoso ganha ciclo “Ivampirismo” no MIS. Folha de S. Paulo, São Paulo, 04 fev. 1998. Ilustrada. p. 3.
  • ARAÚJO, Inácio. “Escorpião Escarlate” evoca nostalgia imaginária. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 dez. 2003. Ilustrada. p. E10.
  • BUCCI, Eugênio. Ivan Cardoso une o fútil ao desagradável. Folha de S. Paulo, São Paulo, 04 ago. 1990. Ilustrada. p. E-2
  • DOSSIÊ Ivan Cardoso. Revista Zingu! 3 ed., São Paulo, dez. 2006.
  • DURST, Rogério. Uma chanchada de ação. O Globo, Rio de Janeiro, 04 jun. 1993. Rio Show. p. 8.
  • FERREIRA, Jairo. Candeias. Cinema de invenção. São Paulo: Limiar, 2000. p.202-10.
  • LIMA, Eduardo Souza. Bastidores em briga de escorpião grande. O Globo, Rio de Janeiro, 22 mai. 1993. p.2.
  • MERTEN, Luiz Carlos. ‘Escorpião’ é exercício de mau humor. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 06 out. 1994. Caderno 2. p. D4.
  • MIRANDA, Luiz Felipe. Dicionário de cineastas brasileiros. Apresentação Fernão Ramos. São Paulo: Art Editora, 1990, 408 p. p.83.
  • MOCARZEL, Evaldo. O gênero “terrir” volta com o novo filme de Ivan Cardoso. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 1988. Caderno 2. p.1.
  • MONZANI, Josette. A Tradução da tradução: a parceria de Rubens F. Lucchetti e Ivan Cardoso. In: LYRA, Bernadette; SANTANA, Gelson (Orgs.). Cinema de Bordas. São Paulo: A Lápis, 2006. p.90-103.
  • PUCCI JR., Renato Luiz. Cinema Brasileiro Pós-Moderno: o neon-realismo. Porto Alegre: Sulina, 2008.
  • RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000. p.90-1.
  • REMIER. Ivan Cardoso: o mestre do terrir. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.
  • SILVA NETO, Antonio Leão da. Dicionário de filmes brasileiros: longa metragem. São Bernardo do Campo: Edição do Autor, 2009.
  • SPACA, Rafael. Conversações com R.F. Luccheti. Rio de Janeiro: Verve, 2015.
  • TRUNK, Matheus. Entrevista com Ivan Cardoso. Revista Zingu! 3 ed., São Paulo, dez. 2006.

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