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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

A Filha do Advogado

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 02.06.2022
1926
A Filha do Advogado, dirigido por Jota Soares (1936-1988), é produzido pela Aurora-Film (fundada por Gentil Roiz e Edson Chagas) e baseado na novela homônima do poeta Costa Monteiro.

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A Filha do Advogado, dirigido por Jota Soares (1936-1988), é produzido pela Aurora-Film (fundada por Gentil Roiz e Edson Chagas) e baseado na novela homônima do poeta Costa Monteiro.

A trama simples descreve os problemas iniciados com a mudança de Heloísa (Guiomar Teixeira) e sua mãe (Jasmelina de Oliveira) para a cidade do Recife. Heloísa é a filha bastarda do renomado advogado doutor Paulo Aragão (Norberto Teixeira), que, a mando deste, se transfere para a capital pernambucana, quando ele parte para a Europa. Quem providencia a mudança é Julio Novais (Euclides Jardim), primo e amigo do advogado. O amor nasce entre Heloísa e Julio, mas Helvécio (Jota Soares), o filho legítimo do advogado, passa a cortejar a moça. Helvécio é noivo de Antonieta Bergamini (Olívia Salgado), uma estudante de direito que tolera as extravagâncias do rapaz em razão de seu patrimônio. Helvécio, após inúmeras investidas malogradas, decide possuir Heloísa a qualquer custo. Para isso, suborna o jardineiro Gerôncio (Ferreira de Castro), que facilita sua entrada na casa. Na iminência de ser violentada, Heloísa mata o rapaz com o revólver que ganha de seu pai para defender sua honra. No julgamento, as coisas se encaminham mal para Heloísa, pois o advogado de acusação apresenta provas consistentes do assassínio e conta com a ajuda da noiva de Helvécio, que chama a moça de "ladra de noivos" e "pescadora de lamaçais". Para sua defesa surge um misterioso advogado do Rio de Janeiro. Subitamente, Gerôncio - culpado e assombrado pelo fantasma de Helvécio - decide confessar o suborno para permitir a entrada do rapaz mal-intencionado. Com a absolvição de Heloísa, outra surpresa é revelada: o advogado misterioso é ninguém menos do que o próprio doutor Paulo Aragão, que na ocasião se disfarça. O advogado aproveita a situação e confessa em público a paternidade da moça. Dois anos depois, Lucio e Heloísa passeiam com seu filho, sob os olhos satisfeitos do doutor Aragão, terminando assim o filme.

Esse enredo folhetinesco tem todas as marcas do melodrama, com a divisão dos personagens nos polos do bem e do mal e na caracterização enfática das virtudes e dos vícios. Porém, dois elementos pontuam historicamente esse drama que se pretende universal: a presença da cidade do Recife e o personagem do negro Gerôncio, o único trabalhador braçal no rol dos personagens.

Os primeiros minutos do filme destacam as grandezas da cidade, diversos planos gerais ilustram as pontes, os casarios, as avenidas e o incessante trafegar de automóveis (bondes e calhambeques) e transeuntes. Os textos dos intertítulos iniciais enfatizam a dimensão moderna do Recife. Em seguida, vê-se num mesmo quadro o doutor Aragão em seu escritório, conversando com o primo e amigo Lucio. O advogado revela que é pai de Heloísa e pede ao amigo que providencie a mudança dela e da mãe para a capital. Um flashback mostra as duas em conversa com o patriarca, que lhes transmite a novidade da mudança para o Recife. Logo no fim da conversa de Lucio com o doutor Aragão, Helvécio chega para ser apresentado pelo letreiro como "libertino e estroina", uma "victima das loucuras do mundo". O lugar da trama é mostrado e os personagens centrais também, sempre seguindo o modelo do cinema popular norte-americano, com caracterizações típicas e uma construção contínua do espaço, mesmo se a continuidade (match-cut) aparece de maneira truncada. Os personagens aparecem em planos médios recuados, com vestimentas lustrosas, ternos, fraques e gravatas borboletas. A distinção social é percebida no refinamento dos penteados e no esmero dos vestidos. O corte de cabelo da protagonista lembra a atriz Louise Brooks, uma diva do cinema norte-americano.

Em consonância com essas demonstrações de distinção social, há o citado fascínio pela cidade que se moderniza, de modo a articular organicamente o espaço urbano e a teoria da história contada. A Estação de Socorro surge quando Lucio e Heloísa se encontram, o Cine Royal aparece quando ele contempla os cartazes e espera o bonde que desce a ponte da Boa Vista. O enredo se concentra nos episódios que envolvem a elite local, homens de negócios, intelectuais e juristas, suas preocupações ocupam o centro do drama, enquanto ao negro Gerôncio cabe o trabalho braçal, os gestos bruscos e a barbárie.

O filme se encaixa bem na categoria do melodrama, com destaque para os dramas individuais e familiares. Colocados em contraste, evidenciam a incidência de contradições que indicam uma situação histórica marcada pela convivência de modernização e do trabalho escravo. Vale acima de tudo o destaque aos lances sentimentais, a multiplicação dos golpes de teatro (reviravoltas surpreendentes), o recurso do letreiro pedagógico, explicativo, e a polarização ética entre o bem e o mal.

A realização de A Filha do Advogado faz parte do ciclo cinematográfico ocorrido no Recife na segunda metade da década de 1920. O filme é recebido com entusiasmo pela revista Cinearte (n. 37, 1926): "Digam o que quiser os invejosos e despeitados, mas a estréa do Jota como director não podia ser melhor (...). A photographia, embora não esteja isenta de falhas, é a melhor vista em films pernambucanos (...). Quanto ao conjunto de intérpretes agradou plenamente (...)". No ano seguinte, o crítico Pedro Lima, em sua campanha em favor do cinema brasileiro, inclui o filme na lista dos melhores do ano: "Basta dizer que nunca em um anno, produzimos tanto e tão bem". A atenção ao trabalho do diretor é um reconhecimento de Jota Soares como uma das principais figuras do ciclo do Recife.

Assim como o enredo, a história da cópia e dos materiais de A Filha do Advogado tem reviravoltas e um final feliz. Em 1943, é fundado no Recife o Museu-Cinema. À frente da iniciativa, Jota Soares adquire uma cópia do filme, que compõe o acervo pessoal do realizador, junto com outros títulos recebidos da Secretaria de Educação e Cultura, em 1968, pela Fundação Joaquim Nabuco. A cópia permanece em seus arquivos até que a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) adquire, em 1979, os direitos para a exibição não comercial e o relança no ano seguinte. A restauração e a duplicação do original em nitrato são feitas pela Cinemateca Brasileira, em 1981.

Fontes de pesquisa 16

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  • REZENDE, Antonio Paulo de Morais. (Des) Encantos Modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1992.
  • SCHEIBY, Caio E. Cicli regionali: Recife e Campinas. In: A. Il Cinema Brasiliano. Genova: Silva Editore, 1961. p. 33-9.
  • SOARES, Jota e SALGADO FILHO, Pedro. História da Cinematografia Pernambucana. Recife: Arquivo do Museu de Cinema, 1944.
  • SOARES, Jota. Relembrando o Cinema Pernambucano. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2006.
  • XAVIER, Ismail. O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

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