Conjunto Habitacional Pedregulho
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O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho, é projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy (1909 - 1964) a partir de 1947, para abrigar funcionários públicos do então Distrito Federal. Localizado no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, o Pedregulho compõe a face social da arquitetura de Reidy, ao lado da Unidade Residencial da Gávea (1952) e do Teatro Armando Gonzaga (1950), em Marechal Hermes. Um dos maiores nomes da arquitetura moderna brasileira, Reidy tem grande atuação como urbanista, participando de diversos projetos para a cidade do Rio de Janeiro, desde 1929, quando trabalha com Alfred Agache na elaboração do plano diretor da então capital federal. A partir de 1932, responsável pelos serviços de arquitetura e urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, envolve-se com uma série de soluções para a área central da cidade, das quais uma das mais famosas é a urbanização do Aterro do Flamengo. O Pedregulho, elogiado por Max Bill (1908 - 1995), em 1953, e por Le Corbusier (1887 - 1965) em sua passagem pelo Brasil, em 1962, marca um momento de reconhecimento internacional das obras arquitetônicas e urbanísticas de Reidy.
A estética e os princípios defendidos por Le Corbusier se fazem sentir no projeto do Pedregulho, no cuidado com as tecnologias aplicadas na construção, na economia de meios utilizados e nas preocupações funcionais estreitamente relacionadas às soluções formais: controle da luz e da ventilação, facilidade de circulação. Se a inspiração teórica e o método são tributários do programa corbusiano, o vocabulário plástico empregado beneficia-se das soluções de Oscar Niemeyer (1907) para o conjunto da Pampulha (1942 - 1944), em Belo Horizonte: a retomada de arcos e abóbadas, as linhas curvas e os desenhos ondulantes. O Conjunto Habitacional Pedregulho abriga blocos residenciais e áreas de serviços comuns: jardim-de-infância, maternal, berçário, escola primária, mercado, lavanderia, centro sanitário, quadras esportivas, ginásios, piscina, vestiários e centro comercial. Na concepção arquitetônica do complexo, com 328 unidades, cada obra é definida por um volume simples, integrado a um conjunto mais amplo, onde a forma indica a diferença de funções: o paralelepípedo destina-se aos prédios residenciais; o prisma trapezoidal aos edifícios públicos; e as abóbadas, às construções desportivas. A intenção de manter a vista da baía de Guanabara para todos os apartamentos leva Reidy a projetar uma grande construção sobre pilotis, que dribla o declive natural da área pelo uso de passarelas, e uma avenida posterior no topo do terreno, recursos que dispensam elevadores. Os pilotis de alturas variáveis constituem outra solução original empregada em função dos desníveis do solo. A peça-chave de todo o conjunto é o grande edifício construído no alto, de planta serpenteada, que acompanha as condições naturais do terreno. Tal modelo de planta foi usado pela primeira vez no Pavilhão do Massachussetts Institute of Technology - MIT, Cambridge, Estados Unidos, construído pelo finlandês Alvar Aalto (1898 - 1976), entre 1947 e 1949, mas Reidy afirma não ter tido notícias desse projeto à época da criação do Pedregulho.
Nos prédios residenciais, nota-se a inspiração dos edifícios do parque Guinle (1948 - 1954), projetados por Lucio Costa (1902 - 1998), evidenciada na concepção das fachadas (montadas pela alternância entre brise-soleils fixos, faixas contínuas de peitoris e janelas venezianas), na justaposição de planos cheios e das superfícies vazadas e no uso de cores contrastantes (azul nos peitoris, vermelha nas paredes de fundo dos terraços e amarela nas persianas). Especial atenção é concedida ao conjunto escola-ginásio-vestiários, considerado a obra mais original do complexo. A escola de Pedregulho é concebida como um prisma trapezóide montado sobre pilotis, com amplo pátio coberto no térreo. As salas de aula, localizadas na face sul, dão para um terraço particular. Os contatos do interior com o exterior são intensificados pelo uso de portas-janelas e de lâminas de vidro. A fachada inclinada garante a luminosidade e as aberturas no topo das divisórias entre as salas e o corredor asseguram a ventilação, também reforçada pelo emprego de uma trama de cerâmica no limite do corredor. A escola encontra-se integrada às dependências esportivas pelo desenho da cobertura e pelos contrapontos formais acionados: os arcos e o fechamento do ginásio contrastam com o traçado reto e com a arquitetura vazada das escolas. Como elemento decorativo, um grande painel de azulejos feito por Candido Portinari (1903 - 1962) para o ginásio (nova referência à Pampulha).
Embora seja uma das mais conhecidas experiências de habitação popular da arquitetura moderna brasileira, o Pedregulho não é uma obra isolada, ele está no meio de uma série de iniciativas habitacionais realizadas com os fundos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs, no âmbito do Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. Os projetos do departamento - instituído em 1946 pela gestão de Carmem Portinho - inspiram-se de perto nas experiências de reconstrução de cidades britânicas que a engenheira conhece em 1945, e de onde traz o conceito de "unidades de vizinhança", idealizadas por Clarence Perry (1872 - 1944) e realizadas por Clarence Stein (1882 - 1975) e Henry Wright (1878 - 1936) em Radburn, Estados Unidos, em 1929. Outros projetos similares ao Pedregulho são executados no período, por exemplo: o Conjunto do Residencial do Realengo, de Carlos Frederico Ferreira (1906 - 1996), implantado entre 1939 e 1943, e considerado o primeiro bloco habitacional moderno; o projeto para a Vila Guiomar, em Santo André, 1949, também de Carlos Ferreira; o Conjunto Residencial Passo d'Areia, Porto Alegre, 1946, de Marcos Kruter e Edmundo Gardolinski; o Conjunto Habitacional da Gávea, 1954, de Reidy, e o Conjunto Residencial de Vila Isabel, 1955, de Francisco Bolonha (1923).
São notórias as influências do debate internacional em todos esses projetos, em especial dos pontos sistematizados nos Congressos Internacionais de Arquitetos Modernos - Ciam, no fim da década de 1920. No 2º Ciam, de Frankfurt, especificamente, o tema central é a questão da habitação para setores de renda mínima e a procura de projetos que simplifiquem os processos construtivos pela incorporação de tecnologia de ponta, eliminação de ornamentos, racionalização do traçado urbanístico e uniformização de unidades e blocos. Os conjuntos residenciais populares construídos no Brasil entre as décadas de 1930 e 1950 representam as aspirações urbanísticas do momento ao procurar forjar novas formas de sociabilidade e um ordenamento das relações sociais pela ênfase na vida comunitária. Para tanto, valem-se do projeto moderno de compatibilização de economia, praticidade, técnica e soluções esteticamente interessantes. O conjunto do Pedregulho traz em sua concepção os preceitos urbanísticos do Ciam, revelando de forma acabada a relação entre habitação social, modernização, educação popular e transformação da sociedade, objetivos que nos nossos dias são postos em questão.
Fontes de pesquisa 3
- BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4. ed São Paulo: Estação Liberdade, 2004. 344 p., il. p&b.
- BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberger. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
- SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1999.
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CONJUNTO Habitacional Pedregulho.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra14202/conjunto-habitacional-pedregulho. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7