Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Tonico e Tinoco

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 12.02.2021
1943
1994
Dupla formada por João Salvador Perez, Tonico (1917-1994), e José Perez, Tinoco (1920-2012). Cantores, compositores, violeiros, radialistas e atores. A trajetória artística de Tonico e Tinoco coincide com o desenvolvimento da “tradição da música caipira”, que se define como produto cultural depois do lançamento de cinco discos produzidos por Cor...

Texto

Abrir módulo

Dupla formada por João Salvador Perez, Tonico (1917-1994), e José Perez, Tinoco (1920-2012). Cantores, compositores, violeiros, radialistas e atores. A trajetória artística de Tonico e Tinoco coincide com o desenvolvimento da “tradição da música caipira”, que se define como produto cultural depois do lançamento de cinco discos produzidos por Cornélio Pires (1884-1958), para a gravadora Columbia, em 1929. Essa série fonográfica registra pela primeira vez “causos”, anedotas e contos ao lado de modas de viola, sambas caipiras, cururus e cateretês.

Os irmãos João e José, conhecidos como Tico e Nego, têm ascendência espanhola e indígena e são filhos de trabalhadores de fazenda de café no entorno das cidades paulistas Botucatu e Sorocaba. Ingressam na vida social do campo por meio da música: acompanhados de violão e viola, animam serenatas, arrasta-pés, aniversários, festas religiosas e bailes. Sem referências estéticas exteriores e guiados pela intuição, definem uma nova maneira de cantar: a primeira voz aguda (Tinoco), e a segunda voz grave (Tonico). Essa configuração harmônica diferencia-os das demais duplas da época e cristaliza-se na música sertaneja.

No início da carreira, os irmãos apresentam-se como Irmãos Perez, aos domingos, na Rádio Clube de São Manuel. Mudam-se para São Paulo no início dos anos 1940. Cantam em parques de diversões e participam de concursos de calouros nas rádios. Com o primo Miguel Perez, formam o Trio da Roça e conquistam o primeiro lugar no programa de Chico Carretel (ca.1910), na Rádio Emissora de Piratininga.

Em 1943, ganham o concurso para substituir a dupla Palmeira e Piraci no programa Arraial da Curva Torta, do Capitão Furtado (Ariovaldo Pires, 1907-1979), na Rádio Difusora. Como prêmio, assinam contrato de um ano com a emissora. Surge a dupla Tonico e Tinoco, nome artístico sugerido por Capitão Furtado.

Em 1945, gravam o cateretê “Em Vez de Me Agradecer” [Capitão Furtado, Jaime Martins e Aimoré (1908-1979)], em 78 rpm. Treze anos depois, participam do disco Arraial da Curva Torta com Capitão Furtado, considerado o primeiro LP de música caipira. Gravam “Tudo Tem no Sertão” (Tonico) e “Tristeza do Jeca” [Angelino de Oliveira (1888-1964)].

Tonico e Tinoco exportam para a cidade os ritmos musicais que ouvem e tocam nas fazendas (xote, cateretê, cana-verde, arrasta-pé, toada, cururu e moda de viola) e adapta-os ao formato da rádio e da indústria fonográfica. Também são influenciados pela música latino-americana e incluem no repertório rasqueados (“Besta Ruana”, 1949; “Adeus, Morena, Adeus”, 1946; “Adeus, Fronteira”, 1950), rancheiras (“Dança, Gaúcho, Dança”, 1981), chamamés (“Baile em Ponta-Porã”, 1971) e guarânias (“As Mãos do Papai”, 1973; “Cabelo de Trança”, 1960; “Sereno da Madrugada”, 1955). Essa diversidade de gêneros musicais é acompanhada por violão, viola e acordeom, tendo o dueto de vozes como plano dominante.

A moda de viola – parte das composições que gravam e da qual se tornam os principais representantes – não tem refrão e prima pelo caráter narrativo; as mais tradicionais valorizam histórias melancólicas. Um exemplo é o sucesso “Chico Mineiro”, canção de Tonico e Francisco Ribeiro, lançada em 1946. Nela, o cantador-narrador descobre que o amigo de viagem, assassinado na Festa do Divino, é seu irmão.

Na moda “Camisa Preta”, composição da dupla com Sebastião de Oliveira e gravada em 1949, o tema é a saudade da “mãezinha querida”. Como em “Chico Mineiro”, um texto falado, em primeira pessoa, prefacia a parte cantada:

Naqueles ermo deserto 
Eu fiquei memo espantado 
Quando avistei um ranchinho
Tão veio, tudo escorado
E vi um caboclo rezando  
No chão tava ajueiado
Trazia sua camisa preta de luto fechado.

Os dramas amorosos também servem de inspiração para Tonico, principal letrista da dupla. A toada “Cabocla” (1952) surge da paixão por Zula, filha de um administrador de fazenda. O tom menor da melodia reforça o sentimento cantado:

Me desprezaste por um outro da cidade
A maior infelicidade é desprezar quem quer bem
A sorte foge e o dinheiro se escasseia
Torna a vim morar na aldeia, fica igual a eu também.

Na canção “Pé de Ipê”, a árvore em uma “encruziada”, onde debaixo dela o protagonista rouba um beijo da “mais formosa das cabocla do sertão”, alimenta a dor da frustração e a lembrança “daquele dia com vancê”:

Mas o destino é traiçoeiro
Que me deixou na solidão
Foi-se embora pra cidade
Me deixou triste saudade
Neste pobre coração.

A religião tem registros nos cururus “Aparecida do Norte” (1951) e “Exemplo de Fé” (1957), sucessos assinados por Tonico e Anacleto Rosas Júnior (1911-1978). Com exceção das músicas que saúdam festividades – como a rancheira “Noite de São João” (1959) [Tinoco e Rielinho (1917)] –, o repertório de Tonico e Tinoco é pontuado pelo contraste temático (alegria e tristeza, presente e passado, vida e morte, proximidade e distância), independentemente do estilo musical.

A dupla colabora para eternizar obras de outros compositores, como Raul Torres (1906-1970), autor de “Moda da Mula Preta”, homenageado no álbum Recordando Raul Torres (1970), e José Fortuna (1923-1983), autor de “Bico de Pena” (com Tonico), canção gravada no disco Tonico e Tinoco Apresentam Sucessos de José Fortuna (1975).

Diferentemente da forma como o sertanejo é visto até o início da década de 1940, pelas representações cômicas de duplas como Alvarenga e Ranchinho e Jararaca e Ratinho, o caipira em Tonico e Tinoco espelha a melancolia, a saudade da terra, a produção agrícola e a celebração de sentimentos, como amor, fé, tristeza e amizade. É uma representação não caricata e antítese do homem moderno sugerido pelos centros urbanos. Aproxima-se do retrato do caipira das telas do pintor Almeida Júnior (1850-1899) e distancia-se do Jeca Tatu, personagem do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), ícone do atraso e da preguiça.

Ao longo da carreira, Tonico e Tinoco mantêm a indumentária e o linguajar que os atrelam ao universo rural. Esse dialeto caipira transforma palavras oxítonas e proparoxítonas em paroxítonas: córrego vira “córgo”, pássaro preto em “passo preto” e fósforo em “fosfro”. A variação linguística está no modo de cantar e de falar da maioria dos artistas de origem campesina dos anos 1930 e 1950, diferentemente de duplas surgidas a partir da década de 1980, que a conserva apenas na fala.

O mundo simbólico de Tonico e Tinoco passa a ser consumido pelo público que migra da zona rural para os centros urbanos e reforçado pelas turnês em circos, por programas de rádio e por filmes inspirados em suas músicas e protagonizados pela dupla. Entre eles, Luar do Sertão (1949), Lá no meu Sertão (1963), Obrigado a Matar! (1965), A Marca da Ferradura (1971), Os Três Justiceiros (1972), e O Menino Jornaleiro (1982). Surge o “discurso de legitimidade” da cultura caipira, do qual a dupla torna-se referência, sobretudo a partir da década de 1980. Nessa época há a consagração popular e comercial de artistas representantes da “jovem, urbana e romântica música sertaneja”, como Chitãozinho e Xororó , Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo. A música de Tonico e Tinoco passa a traduzir o sertão antigo e o caboclo cada vez mais distantes do Brasil industrial.

Com extensa carreira discográfica (83 LPs, 220 discos de 78 rpm e 37 compactos), diversos programas em rádios e TV e três livros assinados por Tonico (A História do Sucesso, Vila e Riacho e Da Beira da Tuia ao Teatro Municipal), a dupla termina em 1994, com a morte de Tonico. Tinoco segue a carreira, dividindo o palco com o filho Tinoquinho e com outros grupos até 2012, ano de sua morte.

Além das músicas citadas, destacam-se “Moreninha Linda” (Tonico, Priminho e Maninho), “Chalana” [Mario Zan (1920-2006) e Arlindo Pinto (1906-1968)], “Cana Verde” (Tonico e Tinoco), “Boiada Cuiabana” [Raul Torres (1906-1970)], “Canta Moçada” [Tonico, Nhô Fio e Nonô Basílio (1922-1997)], “Vingança do Chico Mineiro” (Tonico e Sebastião de Oliveira), “Luar do Sertão” [João Pernambuco (1883-1947) e Catulo da Paixão Cearense (1863-1946)], “O Menino da Porteira” [Teddy Vieira (1922-1965) e Luizinho] e “Maringá” [Joubert de Carvalho (1900-1977)]. Em 1956, gravam dois cateretês de Mário Vieira (1921), “Ingratidão” e “Tô Chegando Agora”, com a sambista carioca Aracy de Almeida (1914-1988).

Fontes de pesquisa 4

Abrir módulo
  • CLIQUEMUSIC. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/ver/tonico-e-tinoco . Acesso em: 10 set. 2013.
  • GAVIN, Charles (org.), SOUZA, Tárik de; CALADO, Carlos; DAPIEVE, Arthur. 300 Discos Importantes da Música Brasileira, 1ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
  • NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Editora 34, 1999.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: