Tonico e Tinoco
Texto
Dupla formada por João Salvador Perez, Tonico (1917-1994), e José Perez, Tinoco (1920-2012). Cantores, compositores, violeiros, radialistas e atores. A trajetória artística de Tonico e Tinoco coincide com o desenvolvimento da “tradição da música caipira”, que se define como produto cultural depois do lançamento de cinco discos produzidos por Cornélio Pires (1884-1958), para a gravadora Columbia, em 1929. Essa série fonográfica registra pela primeira vez “causos”, anedotas e contos ao lado de modas de viola, sambas caipiras, cururus e cateretês.
Os irmãos João e José, conhecidos como Tico e Nego, têm ascendência espanhola e indígena e são filhos de trabalhadores de fazenda de café no entorno das cidades paulistas Botucatu e Sorocaba. Ingressam na vida social do campo por meio da música: acompanhados de violão e viola, animam serenatas, arrasta-pés, aniversários, festas religiosas e bailes. Sem referências estéticas exteriores e guiados pela intuição, definem uma nova maneira de cantar: a primeira voz aguda (Tinoco), e a segunda voz grave (Tonico). Essa configuração harmônica diferencia-os das demais duplas da época e cristaliza-se na música sertaneja.
No início da carreira, os irmãos apresentam-se como Irmãos Perez, aos domingos, na Rádio Clube de São Manuel. Mudam-se para São Paulo no início dos anos 1940. Cantam em parques de diversões e participam de concursos de calouros nas rádios. Com o primo Miguel Perez, formam o Trio da Roça e conquistam o primeiro lugar no programa de Chico Carretel (ca.1910), na Rádio Emissora de Piratininga.
Em 1943, ganham o concurso para substituir a dupla Palmeira e Piraci no programa Arraial da Curva Torta, do Capitão Furtado (Ariovaldo Pires, 1907-1979), na Rádio Difusora. Como prêmio, assinam contrato de um ano com a emissora. Surge a dupla Tonico e Tinoco, nome artístico sugerido por Capitão Furtado.
Em 1945, gravam o cateretê “Em Vez de Me Agradecer” [Capitão Furtado, Jaime Martins e Aimoré (1908-1979)], em 78 rpm. Treze anos depois, participam do disco Arraial da Curva Torta com Capitão Furtado, considerado o primeiro LP de música caipira. Gravam “Tudo Tem no Sertão” (Tonico) e “Tristeza do Jeca” [Angelino de Oliveira (1888-1964)].
Tonico e Tinoco exportam para a cidade os ritmos musicais que ouvem e tocam nas fazendas (xote, cateretê, cana-verde, arrasta-pé, toada, cururu e moda de viola) e adapta-os ao formato da rádio e da indústria fonográfica. Também são influenciados pela música latino-americana e incluem no repertório rasqueados (“Besta Ruana”, 1949; “Adeus, Morena, Adeus”, 1946; “Adeus, Fronteira”, 1950), rancheiras (“Dança, Gaúcho, Dança”, 1981), chamamés (“Baile em Ponta-Porã”, 1971) e guarânias (“As Mãos do Papai”, 1973; “Cabelo de Trança”, 1960; “Sereno da Madrugada”, 1955). Essa diversidade de gêneros musicais é acompanhada por violão, viola e acordeom, tendo o dueto de vozes como plano dominante.
A moda de viola – parte das composições que gravam e da qual se tornam os principais representantes – não tem refrão e prima pelo caráter narrativo; as mais tradicionais valorizam histórias melancólicas. Um exemplo é o sucesso “Chico Mineiro”, canção de Tonico e Francisco Ribeiro, lançada em 1946. Nela, o cantador-narrador descobre que o amigo de viagem, assassinado na Festa do Divino, é seu irmão.
Na moda “Camisa Preta”, composição da dupla com Sebastião de Oliveira e gravada em 1949, o tema é a saudade da “mãezinha querida”. Como em “Chico Mineiro”, um texto falado, em primeira pessoa, prefacia a parte cantada:
Naqueles ermo deserto
Eu fiquei memo espantado
Quando avistei um ranchinho
Tão veio, tudo escorado
E vi um caboclo rezando
No chão tava ajueiado
Trazia sua camisa preta de luto fechado.
Os dramas amorosos também servem de inspiração para Tonico, principal letrista da dupla. A toada “Cabocla” (1952) surge da paixão por Zula, filha de um administrador de fazenda. O tom menor da melodia reforça o sentimento cantado:
Me desprezaste por um outro da cidade
A maior infelicidade é desprezar quem quer bem
A sorte foge e o dinheiro se escasseia
Torna a vim morar na aldeia, fica igual a eu também.
Na canção “Pé de Ipê”, a árvore em uma “encruziada”, onde debaixo dela o protagonista rouba um beijo da “mais formosa das cabocla do sertão”, alimenta a dor da frustração e a lembrança “daquele dia com vancê”:
Mas o destino é traiçoeiro
Que me deixou na solidão
Foi-se embora pra cidade
Me deixou triste saudade
Neste pobre coração.
A religião tem registros nos cururus “Aparecida do Norte” (1951) e “Exemplo de Fé” (1957), sucessos assinados por Tonico e Anacleto Rosas Júnior (1911-1978). Com exceção das músicas que saúdam festividades – como a rancheira “Noite de São João” (1959) [Tinoco e Rielinho (1917)] –, o repertório de Tonico e Tinoco é pontuado pelo contraste temático (alegria e tristeza, presente e passado, vida e morte, proximidade e distância), independentemente do estilo musical.
A dupla colabora para eternizar obras de outros compositores, como Raul Torres (1906-1970), autor de “Moda da Mula Preta”, homenageado no álbum Recordando Raul Torres (1970), e José Fortuna (1923-1983), autor de “Bico de Pena” (com Tonico), canção gravada no disco Tonico e Tinoco Apresentam Sucessos de José Fortuna (1975).
Diferentemente da forma como o sertanejo é visto até o início da década de 1940, pelas representações cômicas de duplas como Alvarenga e Ranchinho e Jararaca e Ratinho, o caipira em Tonico e Tinoco espelha a melancolia, a saudade da terra, a produção agrícola e a celebração de sentimentos, como amor, fé, tristeza e amizade. É uma representação não caricata e antítese do homem moderno sugerido pelos centros urbanos. Aproxima-se do retrato do caipira das telas do pintor Almeida Júnior (1850-1899) e distancia-se do Jeca Tatu, personagem do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), ícone do atraso e da preguiça.
Ao longo da carreira, Tonico e Tinoco mantêm a indumentária e o linguajar que os atrelam ao universo rural. Esse dialeto caipira transforma palavras oxítonas e proparoxítonas em paroxítonas: córrego vira “córgo”, pássaro preto em “passo preto” e fósforo em “fosfro”. A variação linguística está no modo de cantar e de falar da maioria dos artistas de origem campesina dos anos 1930 e 1950, diferentemente de duplas surgidas a partir da década de 1980, que a conserva apenas na fala.
O mundo simbólico de Tonico e Tinoco passa a ser consumido pelo público que migra da zona rural para os centros urbanos e reforçado pelas turnês em circos, por programas de rádio e por filmes inspirados em suas músicas e protagonizados pela dupla. Entre eles, Luar do Sertão (1949), Lá no meu Sertão (1963), Obrigado a Matar! (1965), A Marca da Ferradura (1971), Os Três Justiceiros (1972), e O Menino Jornaleiro (1982). Surge o “discurso de legitimidade” da cultura caipira, do qual a dupla torna-se referência, sobretudo a partir da década de 1980. Nessa época há a consagração popular e comercial de artistas representantes da “jovem, urbana e romântica música sertaneja”, como Chitãozinho e Xororó , Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo. A música de Tonico e Tinoco passa a traduzir o sertão antigo e o caboclo cada vez mais distantes do Brasil industrial.
Com extensa carreira discográfica (83 LPs, 220 discos de 78 rpm e 37 compactos), diversos programas em rádios e TV e três livros assinados por Tonico (A História do Sucesso, Vila e Riacho e Da Beira da Tuia ao Teatro Municipal), a dupla termina em 1994, com a morte de Tonico. Tinoco segue a carreira, dividindo o palco com o filho Tinoquinho e com outros grupos até 2012, ano de sua morte.
Além das músicas citadas, destacam-se “Moreninha Linda” (Tonico, Priminho e Maninho), “Chalana” [Mario Zan (1920-2006) e Arlindo Pinto (1906-1968)], “Cana Verde” (Tonico e Tinoco), “Boiada Cuiabana” [Raul Torres (1906-1970)], “Canta Moçada” [Tonico, Nhô Fio e Nonô Basílio (1922-1997)], “Vingança do Chico Mineiro” (Tonico e Sebastião de Oliveira), “Luar do Sertão” [João Pernambuco (1883-1947) e Catulo da Paixão Cearense (1863-1946)], “O Menino da Porteira” [Teddy Vieira (1922-1965) e Luizinho] e “Maringá” [Joubert de Carvalho (1900-1977)]. Em 1956, gravam dois cateretês de Mário Vieira (1921), “Ingratidão” e “Tô Chegando Agora”, com a sambista carioca Aracy de Almeida (1914-1988).
Fontes de pesquisa 4
- CLIQUEMUSIC. Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/ver/tonico-e-tinoco . Acesso em: 10 set. 2013.
- GAVIN, Charles (org.), SOUZA, Tárik de; CALADO, Carlos; DAPIEVE, Arthur. 300 Discos Importantes da Música Brasileira, 1ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Editora 34, 1999.
Como citar
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TONICO e Tinoco.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo531179/tonico-e-tinoco. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7