Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul
Texto
Histórico
Fundado em 1941, com base em uma deliberação do 2º Congresso da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul, o Teatro do Estudante é o embrião do processo de modernização do teatro em Porto Alegre, que atinge o auge no final da década de 1950. Seu modelo é o Teatro do Estudante do Brasil, criado no Rio de Janeiro, em 1938 por Paschoal Carlos Magno.
O Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul estreia em novembro de 1941, no Theatro São Pedro, para uma plateia lotada, com a peça O Fazedor de Reis, escrita pelos irmãos Silvio Bonow e Germano Bonow e H. Jorge Bacellar, fundadores do grupo e líderes estudantis. O texto, uma sátira ao nazismo numa época em que o Brasil ainda se mantém neutro em relação à guerra, retrata o cotidiano de uma família proprietária de editora que tem o poder de definir o que deve ou não ser lido pelas pessoas. Germano Bonow, também diretor da montagem, reconhece a precariedade do texto. "Mesmo assim, teve a virtude de apresentar o elemento feminino às plateias rio-grandenses, tão ciosas da falsa moralidade".1 As atrizes são alunas do Instituto de Educação e do Colégio Bom Conselho, e contracenam com estudantes dos cursos de direito e medicina. "Várias artistas só iam aos ensaios acompanhadas por mães ou tias",2 recorda a poeta Edith Hervê, encarregada da divulgação.
Após a estreia animadora, o Teatro do Estudante perde-se numa discussão interna sobre a continuidade do trabalho. A indefinição entre encenar Tartufo, de Molière, Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, e O Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, paralisa o grupo durante o ano de 1942. Mas em junho de 1943 volta à atividade, com O Maluco Número 4, de Armando Câmara, uma peça considerada "fácil", que serve para amadurecer o elenco. A essa altura, o grupo já conta com a simpatia da intelectualidade porto-alegrense que se reúne na Livraria do Globo. Escritores, intelectuais e jornalistas como Erico Verissimo, Athos Damasceno Ferreira, Moisés Vellinho, Darcy Azambuja, Carlos Reverbel e Justino Martins frequentam os espetáculos. A Revista do Globo registra: "O Teatro do Estudante está divorciado dos problemas comuns dos teatros profissionais. Ele não foi criado para simplesmente divertir. Tem finalidades culturais elevadas. É real, consistente e conta com elementos compenetrados de que o teatro é uma arte que deve refletir ao vivo as lutas íntimas da natureza humana".3
Vários atores e atrizes de radionovelas aproximam-se do Teatro do Estudante, enriquecendo seu elenco. O grupo consegue do governo do Estado a cessão gratuita do Theatro São Pedro em algumas datas do ano, mas dependem da bilheteria para bancar a produção. A nova fase começa com É Proibido Suicidar-Se na Primavera, de Alencastro Casona, espetáculo bem recebido pelo público, especialmente a dupla de protagonistas. "Regina Maria e Olavo Hengel foram efetivamente as figuras mais brilhantes do elenco", afirma o escritor Josué Guimarães. "Hengel, em certos momentos, fez a plateia interromper o espetáculo com aplausos. Revelou-se um ator dramático impressionante."4
Os anos seguintes são de intensa atividade, com pelo menos duas montagens por ano. Topaze, de Marcel Pagnol, marca a estreia como ator de um dos mais ativos participantes do grupo, o estudante de economia e tradutor da Livraria do Globo, José Lewgoy, que usa o pseudônimo artístico de Samuel Legay. Além de protagonista, ele é responsável pela tradução do texto e pelos cenários da peça. Sua atuação impressiona o cônsul norte-americano, que o convida para estudar teatro na Universidade de Yale. "Ainda hoje, considerado numa perspectiva histórica, foi uma das manifestações de teatro mais importantes que o Brasil teve. Paralelamente, éramos um grupo que selecionou as melhores literaturas dramáticas, antes que o Teatro de Comédia o fizesse", ele relata, sobre sua experiência no Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul. Lewgoy atua ainda em O Viajante sem Bagagem, de Jean Anouihl, antes de seguir para os Estados Unidos e, posteriormente, na década de 1950, consagrar-se como ator de cinema.
Em Antígona, de Jean Anouilh, aparece no papel de Prólogo um jovem de apenas 18 anos, Walmor Chagas, sob a direção do historiador Guilhermino Cesar. Ele participa de mais quatro espetáculos pelo Teatro do Estudante, antes de mudar-se para São Paulo.
Embora surgido no âmbito da União Estadual dos Estudantes - UEE, o grupo aos poucos torna-se independente da entidade. "Era um verdadeiro amor à arte", lembra a atriz Yetta Moreira. "Ninguém ganhava nada. Todo o vestuário era feito por nós mesmos ou familiares. Na madrugada, colávamos cartazes pela cidade e às 5 horas íamos tomar café no Mercado Público. Todo o dinheiro ganho na bilheteria era guardado para a próxima peça."5 No início dos anos 1950, são realizadas duas montagens de A Verdade de Cada Um (Assim É, Se Lhe Parece), de Luigi Pirandello: a primeira em 1951, com direção de Luiz Tito, e a segunda, dois anos depois, dirigida pelo ator Lóris Melecchi. "Assisti a este espetáculo graças a um providencial acidente de família", escreve Fernando Peixoto. "Uma tia ganhou dois ingressos para uma sessão beneficente e a família me obrigou a ir junto... Diante de A Verdade de Cada Um, descobri, graças ao Teatro do Estudante e a Pirandello, a minha verdade. Saí do espetáculo com 16 anos, com uma decisão: fazer teatro".6
Fernando Peixoto integra-se ao grupo, então com a direção de Paulo Villa. O Teatro do Estudante sai em excursão pelo interior do Estado levando A Corda, de Patrick Hamilton, e O Noviço, de Martins Pena, dirigidas por um encenador contratado no Rio de Janeiro, Silva Ferreira, ex-seminarista que estuda teatro em Paris, inclusive com Marcel Marceau. Um vagão de trem cedido pela viação férrea é usado como dormitório pelos 16 estudantes. As prefeituras e as entidades estudantis garantem comida e divulgação, mas os cinemas, em cujos palcos se apresentam, em geral cobram 50% da bilheteria. Na volta, o grupo mergulha numa crise financeira. Melecchi está disposto a seguir carreira no Rio de Janeiro. Silva Ferreira deseja permanecer em Porto Alegre, mas pensa em outro grupo, e o diretor Villa planeja uma ambiciosa montagem de Édipo Rei, que não se realiza. A Importância de Ser Severo, de Oscar Wilde, traz o diretor Carlos Murtinho, do Rio de Janeiro, e é a última montagem regular do Teatro do Estudante. Nos últimos meses de 1954, durante uma apresentação do Recital Fernando Pessoa, o Teatro do Estudante perde a grande maioria de seus integrantes, que criam três novos grupos: Comédia da Província, Teatro Universitário e Clube de Teatro da Federação dos Estudantes Universitários do Rio Grande do Sul.
Notas
1. Teatro do Estudante de Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, 29 nov. 1981.
2. Teatro do Estudante de Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, 29 nov. 1981.
3. É proibido suicidar-se na primavera. Revista do Globo, Porto Alegre, 13 nov. 1943.
4. Teatro do Estudante de Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, 29 nov. 1981.
5. AMÁDIO, José. O Teatro do Estudante sabe sem popular sem ser contra a cultura. Revista do Globo 363, mai. 1943.
6. PEIXOTO, Fernando. Teatro Fora do Eixo. São Paulo: Editora Hucitec, 1983, p. 292.
Espetáculos 16
Fontes de pesquisa 4
- AMÁDIO, José. O Teatro do Estudante sabe sem popular sem ser contra a cultura. Revista do Globo 363, mai. 1943.
- PEIXOTO, Fernando. Teatro Fora do Eixo. São Paulo: Editora Hicitec, 1983, p. 292.
- Teatro do Estudante de Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, 29 nov. 1981.
- É proibido suicidar-se na primavera. Revista do Globo, Porto Alegre, 13 nov. 1943.
Como citar
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TEATRO do Estudante do Rio Grande do Sul.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo513984/teatro-do-estudante-do-rio-grande-do-sul. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7